60 anos da UE: uma comemoração triste

Não calha lá muito bem comemorar hoje, em Roma, os 60 anos da assinatura do Tratado de Roma, que criou a Comunidade Económica Europeia (CEE), também chamada Mercado Comum. É que a UE, que sucedeu à CEE, atravessa a pior crise da história da integração europeia. A possibilidade de a UE se desagregar é real. 

Não foi dada uma resposta europeia à crise dos refugiados. Alguns Estados membros recusam receber qualquer refugiado. Vários desses países são ‘democracias iliberais’ (Hungria, Polónia), não respeitando alguns princípios básicos da democracia representativa, como a separação entre o poder político e o sistema judicial. E não há reação eficaz por parte das autoridades europeias. 

 A prevista saída do Reino Unido da UE, após 44 anos de pertença pouco convicta à Europa comunitária, representa um golpe sério na integração europeia. A primeira-ministra britânica não participa na comemoração em Roma; na quarta-feira invocará o art.º 50 do Tratado para iniciar o processo de divórcio.

 O euro não superou, ainda, os seus ‘defeitos de fabrico’, sobrevivendo como que ligado à máquina, que é o Banco Central Europeu. O drama da Grécia continua sem fim à vista. À frente do Eurogrupo tem estado o inacreditável Dijsselbloem. E o crescimento económico na Europa é fraco. O euroceticismo sobe, mesmo em países fundadores da integração europeia, como a Holanda e a França (país onde há hoje maior hostilidade à UE do que no Reino Unido).

 Existem, ainda, outras divisões. Por exemplo, a Alemanha recusa completar a união monetária do euro com um seguro de depósitos bancários para todos os países da moeda única. O governo polaco quer retaliar por, contra a sua vontade, o polaco Donald Tusk ter sido reconduzido Presidente do Conselho Europeu. E em abril/maio haverá eleições presidenciais em França, seguidas em junho de eleições legislativas. Ora Marine Le Pen vai à frente nas sondagens, defendendo a saída da França da UE. Em Setembro teremos eleições na Alemanha, decisivas para o futuro político de Angela Merkel.

O colapso do comunismo soviético retirou algum ‘cimento’ à integração europeia: era necessária a união face à ameaça externa. A agressividade de Putin poderia recuperar algum desse ‘cimento’ – mas a Europa comunitária não tem uma posição única perante Putin. Veja-se a Hungria, que recebe petróleo barato da Rússia, levando o seu primeiro-ministro Orban a não hostilizar Putin. Ou as diferentes posições quanto a sanções à Rússia por causa do que aconteceu e ainda acontece na Ucrânia. O alargamento da UE a Leste era uma inevitabilidade geoestratégica, mas foi excessivo e prematuro. Não é por acaso que Putin apoia, até financeiramente, as forças europeias anti-UE, como a Frente Nacional de Marine Le Pen.  

E a questão porventura mais grave da UE não está a ser sequer abordada pelos responsáveis políticos: o alheamento, quando não a rejeição, de cada vez maior número de cidadãos europeus face à integração europeia. A prioridade, agora, deveria ser reconquistar a adesão das opiniões públicas ao projeto europeu; a Europa não pode ser construída nas costas dos europeus. Ora isso não se faz com meras ações de propaganda, como tantas vezes aconteceu. Nem com impulsos federalistas, que as opiniões públicas por enquanto rejeitam.