2,1%: a grande vitória que não é de esquerda

Quando virem um hospital sem meios lembrem-se da obsessão de Costa com o défice de 2,1%, mais baixo do que pedia Bruxelas.

A vitória de Mário Centeno foi devidamente cantada pelo seu autor que ontem, com pompa e circunstância, anunciou ter conseguido o défice mais baixo da democracia «sem recursos a milagres e a habilidades». Não é bem assim: houve uma «habilidade» mais do que clara quando Mário Centeno desatou a cativar – o que quer dizer, na prática, cortar – tudo o que via no Orçamento de Estado de 2016. Esse foi o famoso ‘plano B’ que Bruxelas exigiu e o Governo cumpriu ‘como bom aluno’. Claro que como não dava jeito a Costa dar a ideia de que era o tal ‘bom aluno’ – Centeno importar-se-ia menos com isso – todos os dias tanto primeiro-ministro como ministro das Finanças negavam a existência de um ‘plano B’ numa espécie de comédia de enganos em que Costa é especialista desde pequenino. E, até ver, tem tido sorte na vida.

Nenhum partido de esquerda pode dar saltos de alegria com este número do défice que só tinha sido antes conseguido em ditadura. É verdade que os constrangimentos europeus ilegalizaram a esquerda – ou seja, dificilmente políticas sociais-democratas conseguem ser desenvolvidas com o garrote do «défice zero». É bom para Portugal que o país saia do Procedimento por Défice Excessivo mas é doloroso ver a esquerda (pelo menos alguma) aos saltos de alegria por conseguir um objetivo imposto pela política de direita que governa a Europa. É o mundo ao contrário, uma coisa que acontece muitas vezes. 

Claro que os parceiros que sustentam o Governo não puderam partilhar o foguetório do Governo e do PS. Era demais. Mariana Mortágua distanciou-se: o país continua «a sacrificar a despesa pública e o interesse do país apenas para ter um número que deixe Bruxelas um pouco mais contente no seu radicalismo de redução de défice». Paulo Sá, do PCP, disse que este número teve um custo que foi «a redução significativa do investimento público em 2016». É preciso recordar que Bruxelas tinha pedido um défice de 2,5%. Se Passos Coelho era acusado de ir além da troika, Costa segue o mesmo caminho. A troika já não está cá, mas Costa mantém, no seu estilo camaleónico, a cena ancestral do ‘bom aluno’. Quando virem um hospital sem meios, lembrem-se da obsessão de Costa.