13 de Maio. Atentados e Meca ajudam a planear resposta nos hospitais

Plano de contingência do Ministério da Saúde para as comemorações do centenário das aparições em Fátima foi apresentado ontem. Cenários estudados incluíram ameaças biológicas e químicas ou surtos psicóticos

O plano está pronto e em abril vai haver simulacros nos dez hospitais do Serviço Nacional de Saúde mobilizados para as comemorações do centenário das aparições em Fátima no próximo mês de maio. Na apresentação do dispositivo, ontem no Ministério da Saúde, o responsável pela comissão de gestão nomeada em janeiro pela tutela para planear a resposta explicou que, tendo em conta o cenário internacional, o risco de atentado não podia ser descurado. “Basta olhar à nossa volta para ter de assumir, com toda a tranquilidade, que é um risco”, disse António Marques da Silva, anestesiologista e especialista em medicina de catástrofe.

Os detalhes dos cenários estudados são confidenciais assim como o plano no seu todo. Também os simulacros que vão ter lugar em abril serão “reservados”. Marques da Silva adiantou contudo ao i que, na preparação do plano, a equipa teve acesso a informação “privilegiada” sobre a “experiência internacional” com atentados ou tentativas.

Marques da Silva ressalva ainda assim que os cenários foram usados como base e não por haver indícios de qualquer ameaça concreta no país ou neste evento em particular. Foi também analisada informação sobre incidentes nas peregrinações a Meca, onde o grande afluxo de peregrinos tem gerado, em alguns anos, um elevado número de vítimas em situações de cedência de estruturas ou esmagamentos.

Tendo diferentes cenários como ponto de partida, os peritos delinearam a resposta para situações de doença, trauma ou incidentes biológicos e químicos mas também problemas de saúde mental. Marques da Silva dá como exemplo de um cenário do foro mental alguém que tenha um surto psicótico no meio da multidão. “O trabalho foi feito no sentido de definir como agir e para onde encaminhar essa pessoa, que terá de ir para uma unidade diferenciada e com ordem judicial, o que tem de estar articulado.”

Das peregrinações ao dia D

Articular e rentabilizar a capacidade instalada na rede hospitalar do SNS são as traves mestras do plano de contingência. As ações no terreno já começaram com a formação de profissionais de saúde e serão reforçadas com o aproximar as celebrações. Marques da Silva, médico no Centro Hospitalar e Universitário do Porto, explicou que, numa primeira fase, os serviços de saúde pública vão fazer auditorias nos estabelecimentos que costumam acolher peregrinos para reforçar regras de higiene e segurança.

O caminho até Fátima será precisamente o primeiro eixo de intervenção, com centros de saúde dos 20 concelhos por onde costumam passar os caminhantes com centros de saúde abertos à noite e equipas nos locais onde os grupos costumam procurar ajuda, como corporações de bombeiros.

Além da ação reativa, o objetivo é prevenir. Foi preparada uma brochura com conselhos úteis que poderá ser levada no bolso pelos peregrinos. O desdobrável tem uma zona para descrever eventuais doenças ou alergias, assim como medicação e um contacto emergência. A mesma informação poderá ser carregada na app My SNS.

Na semana anterior às celebrações, será reforçada a “vigilância epidemiológica” para despistar surtos de doenças infecciosas – problemas como sarampo, que já tem causado preocupação em eventos de grande dimensão lá fora.

O estado de maior prontidão será de 10 a 14 de maio, quando é esperada a maior concentração em Fátima. Ainda assim, o responsável revelou que as autoridades estão a trabalhar com uma projeção de 500 mil a 600 mil peregrinos e não com as previsões de um milhão de peregrinos, uma vez que foram feitos cálculos com base no espaço do santuário e envolvente.

Caso seja necessário transportar doentes, está prevista a abertura de corredores de segurança nas autoestradas e meios aéreos do INEM, da Proteção Civil e Forças Armadas. Os hospitais vão também ter aparelhos de rádio para poderem comunicar com o INEM em caso de rutura da rede telefónica na zona de Fátima. “Uma das regras em medicina de catástrofe é haver sempre um plano b”, disse Marques da Silva, que participou na organização do Euro 2004 e no Mundial do Brasil e compara o dispositivo agora montado à intervenção bem oleada de uma “pit stop” na Fórmula 1.

Um teste para o futuro

Questionado pelo i, Marques da Silva reconheceu que alguns planos de contingência dos hospitais envolvidos nos últimos meses estavam desatualizados há vários anos e defendeu que esta preparação deve ser encarada como um teste para futuras situações de exceção, mas também deixar bases para maior rigor nesta área. “No futuro isto não deve estar dependente da maior ou menor motivação dos profissionais ou da maior ou menor sensibilização das administrações, deve haver uma política de treino regular, sistematizado, para que haja uma preparação transversal do sistema”, disse o médico. “É uma boa ocasião para fazer reset e alinhar políticas e procedimentos para garantir continuidade além de Fátima.”

O secretário de Estado Adjunto e da Saúde sublinhou a ideia de que os trabalhos da comissão vão ter seguimento, mas primeiro virá o teste. “É o maior exercício em planeamento de saúde nestes contextos”, disse Fernando Araújo.