Hepatite A. Surto na comunidade gay acorda doença esquecida

Portugal opta por não recomendar vacina apenas a homossexuais mas a todas as pessoas que adoeçam e aos seus contactos mais próximos

Portugal não vai para já recomendar a vacina da hepatite A a todos os homens que têm sexo com homens e que vivem em zonas com surtos ativos, como parece ser o caso da região de Lisboa, onde nos últimos meses foram detetados 74 casos em homens jovens e algumas análises já ligaram os contágios a estirpes identificadas na comunidade gay em Londres e no festival EuroPride na Holanda, no ano passado.

Em fevereiro, esta tinha sido uma das recomendações do Centro Europeu de Prevenção e Controlo das Doenças para fazer face ao aumento dos casos de hepatite A entre homens que têm sexo com homens em vários países europeus. As novas orientações da DGS, conhecidas ontem, recomendam a profilaxia pós-exposição ou vacina a todas as pessoas que tenham sido expostas recentemente ao vírus, mas para já não limitam o grupo a ser vacinado nem está recomendada a vacina a todas as pessoas que têm comportamentos sexuais de maior risco para o contágio.

Isabel Aldir, responsável pelo Programa Nacional para as Hepatites Virais da Direção Geral da Saúde, explicou ao i que, neste momento, a opção foi recomendar medidas apenas aos doentes cuja infeção seja notificada pelo médico, portanto pessoas que se desloquem aos hospitais com sintomas, e aos seus contactos próximos. “O que estamos a dizer nesta fase é que se um determinado indivíduo que for internado com hepatite A e vive em casa com um irmão, em casa de uns cunhados, estes também têm indicação para fazer a vacina, por haver maior risco de transmissão”, diz a médica.

Conforme a evolução dos casos nas próximas semanas poderão ser tomadas novas medidas, reforça Isabel Aldir. Uma segunda linha de propostas do ECDC, além da vacinação, era a promoção da vacinação nas redes sociais, imprensa e apps gay, o que nesta fase também não está previsto, diz a médica.

Um mês a incubar

Nas próximas semanas é expectável que continuem a surgir mais casos, uma vez que a doença tem um período de incubação de um mês. No último balanço a nível europeu, divulgado no final de fevereiro, o ECDC dava conta de 287 casos no espaço de um ano. Neste levantamento internacionalmente feito a 21 de fevereiro, Portugal tinha reportado às instâncias europeias 23 casos desde o final de 2016, todos em homens – com uma média de idades de 31 anos e entre os quais dez com relações homossexuais. Isto significa que a maioria dos 108 casos registados nos primeiros três meses do ano no país, dos quais 74 em homens jovens em Lisboa, manifestaram-se no último mês.

É esperado um novo balanço a nível europeu com dados mais atualizados, isto depois de anos em que a hepatite A na Europa foi sobretudo uma preocupação nas consultas do viajante. O maior risco de infeção residia na ingestão de alimentos e água contaminada nos países da África subsariana ou América Latina onde, dadas as fracas condições sanitárias, o vírus ainda é endémico.

O perigo de baixar a guarda

Apesar de não haver um apelo geral à vacinação, o CheckpointLX, um projeto comunitário em Lisboa da associação GAT que trabalha na promoção da saúde de homens que têm sexo com homens, reforçou nos últimos dias o alerta e avisa que as práticas sexuais que podem transmitir o vírus são a estimulação do ânus com a língua) e o sexo em grupo que envolva a passagem de práticas anais para práticas orais. O CheckpointLX disponibiliza também uma consulta médica onde poderá ser prescrita a vacina.

Nas próximas semanas pode ser difícil comprar a vacina nas farmácias. Segundo o site do Infarmed, só há um produto à venda no país e, entretanto, o “Expresso” avançou ontem que as doses estão esgotadas nas farmácias.

A hepatite A não tem cura mas tem normalmente uma evolução benigna. A gravidade da doença aumenta com a idade sobretudo em pessoas que tenham doenças crónicas de base e estima-se que seja fatal em 3 a 6 em cada mil casos.

O diretor-geral da saúde Francisco George alertou que comportamentos de risco como o sexo associado à toma de drogas, onde é negligenciado o preservativo, podem estar a contribuir para a propagação do vírus. Já o presidente da Opus Gay, António Serzedelo, reconheceu que existe uma moda entre os mais jovens de fazer sexo desprotegido, o que acredita dever-se também à promessa de que a cura do VIH está próxima. Serzedelo defende que deveria ser proibido apelar a estas práticas nos perfis dos sites de engate gay.