O curioso silêncio de Werner Roth

A gente até pode ser levada a pensar que é Max von Sydow, a fazer de major von Steiner, a ter o papel mais ingrato do filme Fuga Para a Vitória, de John Houston, e que já vem do ano de 1981, quem haveria de dizer? Engano. Von Steiner até acaba o jogo de Colombes…

A gente até pode ser levada a pensar que é Max von Sydow, a fazer de major von Steiner, a ter o papel mais ingrato do filme Fuga Para a Vitória, de John Houston, e que já vem do ano de 1981, quem haveria de dizer? Engano. Von Steiner até acaba o jogo de Colombes – que foi filmado na Hungria – com um sorrisinho conformado a bater umas palmas inócuas ao empate da equipa dos aliados.

Hoje estou aqui para falar de Werner Roth.

Ou Bauman, o capitão dos nazis encarregado de marcar aquele penálti canalha no último minuto.

Não vale a pena estarmos com rodeios. Quem viu o filme sabe que Sylvester Stalone, no papel de Hatch, defende o pontapé de Bauman e garante o empate (4-4) que permite a fuga dos prisioneiros por entre a multidão que invade o campo com alegria. Quem não viu, tem duas opções: ou duvidar (com toda a razão) da defesa de Stalone, de tão ridícula a simples ideia, ou acreditar em mim.

Assumo que quem continua a ler-me terá acreditado na inverosimilhança. Fez bem.

O filme de Houston está repleto de jogadores de futebol e dos bons. De Pelé, que faz um golo de bicicleta, a Ardiles, que passa a bola com os calcanhares sobre a cabeça de um defesa nazi, para supremo prazer da nossa memória em câmara lenta. Já para não falar de Bobby Moore, John Wark, Kazimierz Deyna, Paul Van Himst ou Soren Lindsted. E Werner Roth!

Bauman é um escroque do pior. Violento, adepto do jogo sujo, conivente com uma arbitragem deploravelmente tendenciosa. Como sempre acontece em filmes com o seu quê de lamechas, sofre o castigo da sua soberba e é sujeito ao vilipêndio do fracasso.

Mas, esse é Bauman.

Werner Roth nasceu na antiga Jugoslávia, filho de pais alemães. Isto em 1948, pouco depois do final da II Grande Guerra. Aos 8 anos estava em Nova Iorque. Começou a jogar futebol no German-Hungarian Football Club e na equipa da Universidade de Brooklyn. Era um miúdo mas já usava a braçadeira de capitão. Uma premonição.

Em 1972, assina contrato com o flamejante Cosmos de Nova Iorque e joga com Pelé, Beckenbauer, Carlos Alberto e o português Seninho. É chamado à seleção dos Estados Unidos. Em 1978 estreia-se na tela grande.

Antes de fazer do detestável Bauman, um papel que lhe assentou como uma luva de pelica, mas que não contribuiu grandemente para a simpatia da sua imagem, Werner Roth fez dele mesmo em Manny’s Orphans, um filme de Sean S. Cunningham, e no qual também há um jogo de vida ou de morte, embora neste caso uma morte ligeiramente mais suave do que às mãos de sicários nazis. Questões de dívidas, resuma-se assim.

Roth ficou lá com o bichinho das fitas, de tal ordem que até resolveu casar com uma atriz de séries televisivas, Robin Mattson, a Heather Webber de General Hospital, que também participou num ror de filmes menores. Nesse aspeto Bauman – perdão, Werner! – ficou a ganhar.

Conta a história que Werner Roth não estava destinado a fazer de mau, bem pelo contrário, cabia-lhe um posto na equipa dos aliados ao lado do que fora seu companheiro no Cosmos, Edson Arantes do Nascimento, por extenso Pelé, como diria Nelson Rodrigues, mestre da crónica.

Ora, John Houston encantou-se pelo facto de Roth falar alemão e eis que tem a ideia supimpa de lhe dar o papel de capitão dos nazis. De certa forma, foi como se o tramasse. Vendo bem, obrigou-o a falhar um penálti, algo detestável para um tipo que fora capitão, e a sério, de uma equipa campeã dos Estados Unidos, em 1977. Uma foto sua ficou famosa, subindo as escadas do avião com o troféu destinado ao vencedor da National Association Soccer League.

Fuga Para a Vitória é, certamente, o mais futebolístico de todos os filmes com o futebol por tema. Werner Roth pode não ter deixado o seu nome rabiscado a giz branco na lousa preta da nossa memória, mas ninguém lhe tira o momento de angústia na hora de enfrentar o guarda-redes antes do penálti. Nem, muito provavelmente, a angústia de o ver defendido por um capitão canadiano brutamontes com mãos de pugilista chamado Robert Hatch.

Basicamente, ficou do lado errado da história e do lado errado da História.

Ainda assim teve sorte. Uma cena em que entrava com inusitada violência sobre o seu amigo Pelé acabou por ser riscada na mesa de montagem por causa da fumaça que saía do escape da motoreta com sidecar que transportava a câmara de filmagem que acompanhava a disputa.

Houston quis Roth naquele papel por ele falar fluentemente alemão. Outra escolha errada. Afinal, durante 117 minutos, pode muito bem jogar a bola, mas não profere uma palavra.

afonso.melo@newsplex.pt