«Poesia-me»

Esta imagem também me foi enviada por uma amiga, a Nazaré. E tem, para mim, uma grande beleza poética por transformar o nome «poesia» num verbo reflexivo. 

«Poesia-me» é, pois, como bem sabemos, uma possibilidade gramatical que não existe, mas, por isso mesmo, pelo facto de nos surpreender, adquire inusitada beleza.

Pedir a alguém «poesia-me» é pedir-lhe que dê poesia à nossa vida, que a torne mais bela, mais poética, mais romântica.

Desde tempos antigos, os trovadores eram chamados a animar a vida da corte com o canto de poemas. Porém, ao longo do tempo, a poesia foi perdendo lugar para a dança, a música, o teatro e, mais recentemente, a televisão.

Atualmente, só muito poucas pessoas leem poesia e muito menos ainda escrevem poesia. É, pois, uma forma de arte com muito poucos «adeptos», até mesmo por se tratar de uma forma de expressão de difícil descodificação, sem visualização imediata.

É preciso ter poesia na alma para conseguir perceber a beleza que a poesia encerra. Caso contrário, os versos tornam-se aborrecidos e incompreensíveis. Até porque o poeta escreve sem a preocupação de ser interpretado, escreve dando expressão ao que sente. Como afirma Alberto Caeiro: «Não me importo com as rimas. Raras vezes / Há duas árvores iguais, uma ao lado da outra.»

E é esta singularidade dos versos, a visão única do poema que confunde quem não está tão desperto para os encantos da poesia… «Porquê dizer algo de forma tão complicada quando há maneiras muito mais simples de dizer o mesmo!?» – esta é frequentemente a pergunta de muitos alunos nas aulas de Português, especialmente no 12º ano, quando se questionam sobre a necessidade de estudar poesia para o exame nacional…

O livro Vamos Comprar um Poeta, de Afonso Cruz, é uma excelente paródia de um mundo exato e concreto, onde tudo funciona com precisão milimétrica, até à adoção de um poeta (e não de um pintor, porque suja mais…), que introduz algum caos, e muita beleza, com as suas metáforas.

E são as metáforas e outros recursos da poesia que fazem com que o olhar do poeta sobre o mundo seja um olhar sensível, uma descodificação do que nos rodeia, por palavras mais belas, dando origem a uma codificação especial, realizada através de um olhar que não está acessível a qualquer pessoa.

É esse olhar que transforma algo corrente em arte, que transforma a pedra em escultura, a tela branca em pintura, o silêncio em música, o espaço vazio em dança, o papel vazio em poema.

Ora, a arte é cultura. E a cultura faz parte da nossa identidade enquanto habitantes de um país, de um conjunto de países, de uma civilização. Mas, o que acontece é que não valorizamos a cultura, não se investe o suficiente na promoção da cultura e daí resulta uma sensação de alguma «impotência cultural»…

 

Maria Eugénia Leitão

Escrito em parceria com o blogue da Letrário, Translation Services