Maioria dos portugueses quer pacto na saúde

O repto foi lançado por Marcelo há um ano e ainda não há fumo branco. Bastonário dos Médicos diz que depende dos políticos e não das Ordens, que já pediram mais financiamento. Barómetro sobre Saúde do SOL revela que 70% dos portugueses estão a favor do pacto. A necessidade, porém, é consensual. Jorge Simões, coordenador…

«O ministro da Saúde pode ser protagonista de um verdadeiro pacto da saúde». O apelo foi feito por Marcelo Rebelo de Sousa em abril do ano passado. Um ano volvido, ainda não há pacto à vista, mas o assunto não está esquecido. Miguel Guimarães, bastonário dos Médicos, revelou ao SOL ter-se encontrado esta sexta-feira com o Presidente da República em dois eventos em Coimbra e o assunto surgiu em conversa.

Já no início de março, as oito ordens profissionais de Saúde estiveram reunidas e voltaram a apelar a um reforço do orçamento do SNS. «O pacto está dependente dos políticos e não das ordens», disse ao SOL Miguel Guimarães, que adianta, ainda assim, que o trabalho concertado das ordens é para continuar. Também o Conselho Estratégico Nacional da Saúde da Confederação Empresarial de Portugal (CIP), que representa as empresas do setor privado na saúde, prestadores e fornecedores, já apelou a uma lei de meios para o setor que garanta dotação orçamental previsível para o SNS. «Vamos reforçar os apelos, mas também que o essencial é ter-se um pacto para a saúde que seja bom para os cidadãos, que assegure as suas necessidades de saúde, e não um documento que se limite a distribuir aquilo que os políticos entendem que pode caber à saúde», diz Miguel Guimarães.

O apelo a um pacto pode ter esmorecido, mas a ideia está presente na opinião pública. O estudo de opinião realizado este mês pela Consulmark2 para o SOL revela que 71% dos portugueses concordam com um pacto nacional para o SNS, medidas a aplicar independentemente do partido ou coligação que estiver a governar. Entre os inquiridos, só 7% estão contra a iniciativa, enquanto 22% não sabem ou não respondem.

As ideias em cima da mesa

Se os partidos ainda não deram entrada com qualquer iniciativa legislativa em torno de um pacto, há, de momento, duas propostas na área do financiamento. A CIP defende uma programação financeira semelhante à que existe na Defesa, com alocação de impostos ao financiamento do SNS.

As ordens profissionais da saúde pedem um reforço do orçamento do SNS em 1,2 mil milhões de euros, para que o país se aproxime da percentagem média do PIB aplicado nesta área pelos outros países da OCDE. A despesa pública em saúde em percentagem do PIB diminuiu em Portugal nos últimos anos, assim como a sua fatia na despesa global do Estado. Em 2015, a saúde chegou a representar 15% da despesa pública. Em 2014 esta fatia baixou para 11,4%, quando a média na UE é de 15%. Os dados foram compilados no relatório Health System Review (HIT), um diagnóstico do sistema nacional de saúde comissariado pelo Observatório Europeu de Sistemas e Políticas de Saúde e apresentado na quinta-feira em Lisboa. Uma das estatísticas destacadas pelos autores, do Instituto de Higiene e Medicina Tropical da Universidade de Lisboa, foi o facto de, nos últimos anos, as famílias portuguesas estarem a suportar cada vez mais encargos em saúde, enquanto a parte do Estado diminuiu e é já das mais baixas da UE. Os portugueses já pagam diretamente 27,6% das despesas nacionais em saúde, enquanto o erário público assume 64,2% dos encargos. A média na Europa é as famílias contribuírem com 13% em pagamentos diretos e o Estado entrar com 76%.

O relatório conclui que existe consenso político, alargado a todos os partidos, de que o sistema de saúde se baseia no SNS, universal geral e tendencialmente gratuito. «Também é consensual a decisão sobre a expansão e melhoria dos cuidados primários e de cuidados continuados integrados. Por outras palavras, as diferenças e as disputas políticas não se centram no desenho geral do sistema de saúde, mas sim na forma como resolver os seus principais problemas».

Jorge Simões, ex-presidente da Entidade Reguladora da Saúde e coordenador do estudo, defendeu ao SOL que, neste sentido, o pacto tão reclamado na saúde já existe: é o próprio SNS. O perito não vê necessidade de mais documentos, mas de um reforço de orçamento acompanhado de uma estratégia que torne o sistema menos hospitalocêntrico e mais eficiente. Também Francisco Ramos, ex-secretário de Estado da Saúde socialista e presidente do IPO de Lisboa, diz que existe «um pacto implícito», que pode ser constatado nas políticas dos principais partidos. «Todos defendem o SNS».

Perceber como reorganizar os hospitais que mantêm o mesmo modelo de funcionamento há 50 anos é um dos desafios. Já quanto ao financiamento, Ramos rejeitou na apresentação do relatório HIT que seja «sério» pensar num aumento imediato de 1,2 mil milhões de euros, como pedem as ordens. «Ultrapassados os anos da troika, o financiamento vai tornar a crescer umas décimas acima da riqueza nacional, como acontecia até aqui». Constantino Sakellarides, ex-diretor geral da Saúde e consultor do ministro Adalberto Campos Fernandes, centra a sua análise do momento atual na incógnita europeia, que impõe demasiados constrangimentos ao país. Para Sakellarides, uma solução a esse nível é imprescindível. Quanto ao pacto, só admite que seja possível se vier a centrar-se em algo concreto, como o financiamento ou, noutras áreas, a pobreza infantil, e não no sistema de saúde como um todo. «A dificuldade dos pactos é que os pactuantes têm de ser estáveis ao longo do tempo e os partidos políticos têm várias faces». Uma das ideias foi expressa na apresentação do relatório: se em tempos o PS foi apologista das parcerias público-privadas na saúde, neste executivo a palavra de ordem tornou-se internalizar a resposta.

Segundo o SOL apurou, a tutela tem tentado promover alguns encontros entre parceiros em torno de um eventual compromisso nacional, mas algumas nuvens vão ensombrando o diálogo, como os atrasos nos pagamentos – as dívidas a fornecedores, por exemplo, têm estado a aumentar. No primeiro trimestre, os pagamentos em atraso nos hospitais subiram 157 milhões. Nesta fase, apesar das intenções e vontade do Presidente, não há um plano abrangente a ganhar forma. O dossiê poderá ser retomado mais tarde, depois das autárquicas.