Ó Senhor Guarda… Desapareça!’

«Até quando, Catilina, abusarás de nossa paciência?», perguntou Cícero no Senado romano. Mário Soares vernaculizou a pergunta do tribuno com uma ordem injusta a um pobre agente da GNR: «Ó Senhor Guarda… Desapareça!». Vem isto a propósito da inglória cruzada de Passos Coelho contra os ‘feitos’ da ‘geringonça’. Espremendo números, dando voltas e interpretações, o…

«Até quando, Catilina, abusarás de nossa paciência?», perguntou Cícero no Senado romano. Mário Soares vernaculizou a pergunta do tribuno com uma ordem injusta a um pobre agente da GNR: «Ó Senhor Guarda… Desapareça!».

Vem isto a propósito da inglória cruzada de Passos Coelho contra os ‘feitos’ da ‘geringonça’. Espremendo números, dando voltas e interpretações, o líder do PSD insiste em provar aos gentios que não há quebra na taxa de desemprego, nem redução no défice e não foram devolvidos, mesmo se parcialmente, os rendimentos que ele próprio confiscou. Para seu descrédito, os portugueses vêem uma realidade diferente e, como costuma dizer-se, ‘contra factos, não há argumentos’.

Falando para os seus, Passos Coelho esbraceja, diz que o Governo está a manipular as estatísticas e põe a cara impiedosa que todos lhe conhecemos para acusar António Costa de mentir. Não sei se o primeiro-ministro mente ou não, mas se mente fá-lo com um sorriso bonançoso que está a milhas do olhar vítreo de Passos Coelho quando chamava as televisões para comunicar mais uma calamidade.

Agora, vêm os generais do PSD acusar o Dr. Costa de  ter sorte. Pelos vistos, preferem um primeiro-ministro com azar. Se apreciam o género, passem bem com o líder que têm. Um homem que tem o tremendo azar de não poder aspirar a um voto de todos aqueles que tratou de forma desumana.

Os spin doctors do Dr. Passos Coelho esqueceram-se de lhe dizer que os portugueses  não gostam de ser tratados com crueldade. E não houve no Governo, ou no partido, uma alma gentil que o avisasse de que a frieza glacial com que a todos acusava de ‘terem vivido acima das nossas possibilidades’, e de serem merecedores dos castigos que a troika recomendava, é coisa que magoa e ofende.

Há muitos anos apreciei o combativo líder da JSD que enfrentava de forma desassombrada os barões do partido. Considerei-o o mais promissor dos políticos da sua geração e vaticinei-lhe um futuro radioso, mas a experiência governativa foi deplorável.

Nada tenho contra a pessoa do Dr. Passos Coelho – que será, certamente, um marido exemplar e um pai extremoso — mas como primeiro-ministro foi uma calamidade. Os portugueses não lhe perdoam. Suspeito que mais depressa estarão dispostos a desculpar ao Eng. Guterres o vergonhoso negócio do queijo, ou a José Sócrates as confusões de que vamos tendo notícia, que o ar de verdugo implacável do anterior primeiro-ministro.

Passos Coelho ficará na História como o primeiro-ministro da terra queimada, e essa é uma mancha que nada, nem ninguém, conseguirá apagar. O prof. Marcelo lançou a política ‘dos afetos’ porque sabia que a alma dos portugueses estava ressequida e as pessoas desejosas de encontrar alguém que mostrasse disponibilidade e gosto para as ouvir. Os resultados estão à vista.

Bem pode o Dr. Passos Coelho bramar contra os números. Brama no deserto e ninguém o ouve. Quem o vê a caturrar nas televisões tem todo o direito de perguntar: «Até quando, Pedro, abusarás de nossa paciência?».