Rui Moreira, o escorpião

Passos Coelho ainda deve estar agarrado à barriga de tanto rir com a telenovela autárquica do Porto.

Rui Moreira, empresário do Porto, de uma abastada família portuense, é tanto de esquerda como eu sou ginasta de alta competição. 

Alcançou a notoriedade com o associativismo empresarial e com o comentariado desportivo fervoroso a favor do FC Porto. Em 2013, e perante um momento menos auspicioso dos partidos tradicionais, viu que tinha condições objetivas e subjetivas de avançar com sucesso para a Câmara do Porto. 

Em 2013, o PS era o PS de Seguro, moderado e avesso à extrema-esquerda. Pizarro é um homem próximo de Seguro. Foi com estas pessoas que Rui Moreira se coligou. 

O Rui Moreira de agora não é o de há quatro anos: ganhou o lugar; nem o PS é o mesmo: agora governa, com António Costa e com as esquerdas unidas. 

Chegada a hora de preparar a campanha autárquica, o arranjo desfez-se. Porque preparar uma campanha autárquica é fazer contas, é indicar, é escolher, é distribuir, é dar a uns e negar a outros.

Conta-se que Salazar, perante um elogio de um terceiro sobre dois irmãos que eram muito unidos, muito unidos, perguntou sibilino: «E já fizeram partilhas?».

Moreira e Costa são dois irmãos muito unidos, muito unidos, que fizeram partilhas e se zangaram por causa delas. 
Rui Moreira humilhou o PS quando disse que não admitia que reivindicasse lugares nas listas, e comparou-o com o CDS-PP, que não tinha pedido nada. Ora, comparar o PS, que governa, com sondagens a darem-lhe 40%, com o CDS que vale 5%, é uma declaração de guerra.

O presidente da Câmara do Porto pensou unicamente em si próprio, nos seus interesses, e quis livrar-se dos parceiros de quem tinha precisado muito, mas de quem entretanto deixou de precisar.

O PS tinha todo o direito de fazer pedidos, de negociar lugares: Rui Moreira chegou à política há quatro anos, o PS chegou à democracia há quarenta anos. Tem estruturas, tem quadros, tem militantes, tem votos.

O PS foi instrumentalizado pelos independentes, tendo sido óbvia a surpresa do golpe. António Costa, com reputação de maior negociador da nação, que calou o PCP e o BE sem concessões de maior, foi completamente ludibriado por Rui Moreira, vendo-se agora na circunstância penosa de apresentar Pizarro, fiel vereador do executivo independente, como candidato socialista. 

O alcance político da manobra de Rui Moreira é tremendo. Humilhou o primeiro-ministro, mostrou que não se vende facilmente como o PCP e o BE, e mudou o curso das autárquicas: agora a noite eleitoral é toda sobre o Porto. 

Aconteça o que acontecer, para o PS e para os socialistas, ficará para sempre como o escorpião que atraiçoa. Para todos os outros, ficará como o homem que virou o jogo.