Europa. A ditadura dos poderosos

O 36.º título nacional dos encarnados faz do Benfica um caso raro no panorama europeu. Poucos se podem gabar de tanto.

Europa. A ditadura dos poderosos

Ao contrário de uma certa ideia que percorre o nosso imaginário, a história dos diversos campeonatos europeus é muito pouco equilibrada. Comecemos por falar do nosso retângulozinho atlântico e marginal. O Benfica atinge o 36.º título da sua história e deixa o FC Porto a nove de distância. Ainda assim, os azuis e brancos até surgem na lista daqueles que mais vezes foram campeões do seu país. Já o Sporting, que durante décadas se assumiu como grande rival dos encarnados, não vai além dos dezoito títulos, algo muito pouco esclarecedor da sua grandeza como instituição, que ultrapassa a simples contabilidade.

Repare-se, por exemplo, na festa que, em Roterdão, rodeou o regresso do Feyenoord à ribalta. Acreditem ou não, esse emblema quase lendário limitou-se a somar o seu 15.º título. Muito pobre se tivermos como comparação os 33 do rival Ajax e, até, os 23 do PSV Eindhoven que é uma espécie de outsider nesta guerra a vermelho e branco, a despeito de também vestir a vermelho e branco.

Poucos clubes no continente vão para além dos trinta campeonatos conquistados, e até vamos dar de barato a antiguidade de cada prova. A Escócia é um caso raro. Ou melhor: raríssimo!

Verdade se diga que a competitividade da principal prova do calendário escocês não é lá das tais coisas. Tudo se resume, praticamente, a Rangers e Celtic e a Celtic e Rangers. De 1890, ano de estreia da prova até hoje, apenas por dezanove vezes se quebrou a ditadura dos gigantes de Glasgow (ia quase escrevendo Glásgua como nos saudosos tempos da mestra palmatória da primária). A tremenda crise financeira que assolou o Rangers (agora treinado pelo português Caixinha) deixou caminho aberto para que o Celtic seja campeão desde 2010/11. Mas, apesar disso, são os azuis que acumulam mais títulos: 54 contra 48. Um exagero? Seguramente. Sobretudo se percebermos que em relação a segundos lugares, a luta continua: 31 do Celtic contra 30 do Rangers. E é preciso recuar até 1984/85 para encontrar o Aberdeen numa lista de campeões que não contemple os dois supracitados. O Aberdeen de Alex Ferguson, imagine-se!

Mas viajemos pela Europa.

Inglaterra é outro caso raro.

O mais titulado de todos os clubes é o Manchester United, com 20 triunfos, um registo muito pouco impressionante, convenhamos. Já o Liverpool, que soma 18, não é campeão desde a época de 1989/90!!! E o Chelsea acaba de celebrar efusivamente apenas o seu sexto triunfo.

«Dá-me o trinta e sete!», gritavam os adeptos encarnados no final do encontro do passado sábado, na Luz, frente ao Vitória de Guimarães. Justificadíssimo motivo de orgulho. Contam-se pelo dedos de uma mão os que andam por lá perto.

Na Grécia, o inevitável Olympiakos vai multiplicando primeiros lugares nos finais de época. Por muitas que sejam as sombras que vão tapando o brilho de tamanha hegemonia, o facto é que não se vislumbra o final dela. Em Itália, a Juventus, continuamente envolvida em tranquibérnias e suspeições que até já lhe retiraram títulos na secretaria e a fizeram descer administrativamente de divisão (sim, porque a Justiça italiana não é permissiva como a nossa que, pura e simplesmente, resolveu ignorar as poucas vergonhas do Apito Dourado), prepara-se para dar gás à festa do hexa. O que, somando à sua terceira vitória consecutiva na Taça de Itália, dá bem ideia daquilo em que se transformou o calcio. Não estranhem se vos disser que Inter e Milan (com sete Taças dos Campeões Europeus!) têm tantos títulos como o nosso Sporting – 18.

França viveu esta época o festival-Jardim. Mas não há ninguém mais triunfante do que Marselha e Saint-Étienne com dez títulos cada qual.

Na Alemanha, a ditadura é bávara. O Bayern de Munique fez o seu primeiro penta e atingiu a bonita soma de 27 títulos. Nada que se compare com a ridicularia de Nuremberga (9) e Borussia de Dortmund (8).

Por isso, de cada vez que ouvirem ou lerem que, na Europa, os campeonatos são equilibrados como em nenhum outro lugar do planeta, reflitam nestes números. Até aqui ao lado, em Espanha, o Real Madrid, que já não sabia o que era o sabor de um título há anos (recorde-se que, até agora, Cristiano Ronaldo só foi campeão espanhol uma única vez) se prepara para recolher o 33.º, contra 24 do arquirrival Barcelona. Ou que na lista dos trintas, só têm lugar, ainda, o Anderlecht (33) – o FC Brugge, segundo, tem 14 – e o CSKA de Sófia (31) – o Levski tem 16.

Esta é uma realidade que não se alterará nas próximas décadas. A Europa do futebol tem os seus senhores feudais que dominam territórios com o à vontade da sua força inquestionável. O quarto título consecutivo do Benfica, limitou-se a devolver ao futebol português a hierarquia a que sempre estivemos habituados. Não deixa também de valer a pena tentar interpretar esta tendência para o absolutismo da qual Itália e Alemanha são os exemplos mais visíveis. Parece ter deixado de haver lugar para surpresas, com licença de Leonardo Jardim.