Stuart Brown. “Os adultos têm de ser capazes de brincar para que os filhos também o façam”

Psiquiatra norte- americano começou a estudar a brincadeira depois de investigar homicídios em massa. Descobriu um ponto em comum entre os assassinos: brincaram muito pouco em crianças. Nos últimos 45 anos, tem-se batido pela ciência do brincar

Nos últimos 45 anos, Stuart Brown entrevistou mais de 6 mil pessoas para reconstruir o seu historial de brincadeira em criança. O interesse surgiu ao investigar homicídios em massa. Um dos primeiros casos que analisou foi o massacre da Universidade do Texas, em 1966, em que Charles Whitman, ex-marine e estudante universitário, foi responsável pela morte de 16 pessoas. Na altura, Brown trabalhava no Baylor College of Medicine e liderou uma recolha de dados sobre a vida de Whitman para documentar o processo, a pedido do governador do Texas. Além do stress a que estava sujeito, a infância de abusos e num ambiente “tirano” em que cresceu foi uma das constatações da equipa: um vizinho contou por exemplo à equipa que Charles não podia brincar na rua, não podia subir às árvores nem levar amigos a casa.

A privação de brincadeira veio a ser declarada oficialmente como um dos fatores de risco para o crime. Depois deste, seguir-se-iam outros casos, que levaram o psiquiatra a traçar um denominador em comum: acredita que a falta de brincadeira em criança, sobretudo nos primeiros dez anos de vida, é um fator de risco para comportamentos antissociais e violentos.

Numa Ted Talk, em 2008, Brown lembrou o trabalho pioneiro, os exemplos de como os animais também brincam e os que não o fazem se tornam menos “inteligentes” e deixou o alerta: brincar é mais do que diversão. Em vésperas do Dia Mundial do Brincar, que se assinala este domingo, Brown respondeu, por email, a algumas perguntas do i. O desafio de dar prioridade à brincadeira espontânea no dia-a-dia mantém-se, acredita. E a mudança começa nos adultos.

Os novos fidget spinners voltaram a fazer-nos pensar nos brinquedos que chamam a atenção das crianças. Como explica este fenómeno?

Pelo movimento em si, pela facilidade com que se atiram, pelo contágio social – são uma moda. E sobretudo porque é divertido brincar com eles – uma brincadeira que não precisa necessariamente de ter um resultado. É como os boomerangs na Austrália, será que regressam mesmo para as nossas mãos quando são bem lançados?

Há quem defenda que os spinners ajudam a reduzir a hiperatividade e défice de atenção. Há estudos que o demonstrem?

O envolvimento e o movimento em doses curtas mas intensas tende a aliviar sintomas moderados de síndrome de défice de atenção e hiperatividade. Sabemos que brincar, no geral, alivia os sintomas, mas há diferenças individuais.

Tem havido sucessivas modas no que toca a brinquedos, antes do fidget spinner houve o Pokemon Go mas também o diablo ou o tamagochi. Vê alguma relação?

Claro, acima de tudo têm de ser brinquedos divertidos, depois levam a que pessoa tente aperfeiçoar a sua técnica (o que faz parte das brincadeiras autênticas) e depois existem componentes de atração visual e movimento corporal.

Começou por estudar homicídios.

O que descobriu?

Que os homicidas, em geral, tiveram uma privação extrema de brincadeira quando eram crianças. Ao comparar com indivíduos da mesma população, via-se que estes tinham brincado muito mais do que os assassinos que estudámos.

Ao fim destes anos a estudar a ciência de brincar, qual é a sua principal conclusão?

Que a brincadeira está programada no nosso cérebro, é uma ferramenta de sobrevivência, é necessária para que desenvolvam plenamente as competências e que a sua falta tem consequências desastrosas. A ciência tem vindo a demonstrar a sua necessidade.

Que tipo de jogos trazem mais benefícios às crianças?

Cada um brinca de forma diferente, o que os pais têm de perceber é o que traz aos seus filhos mais alegria e liberdade. Hoje em dia temos mais privação de brincar na cultura ocidental do que havia no passado. As consequências? Basta perguntar a qualquer pai com filhos demasiado organizados.

Onde é que os pais estão a errar?

Os pais geralmente são bem-intencionados, mas não têm boas recomendações baseadas em ciência.

Oferecer aos filhos muitas atividades, seja karaté, ballet ou natação, é uma ilusão?

Não, mas isso não deve esmagar a capacidade que os miúdos têm para organizarem as suas verdadeiras brincadeiras.

Quando fala com pais e professores, o que é que os surpreende mais?

A ideia de que os adultos precisam de ser capazes de brincar para que as crianças sintam que têm permissão (geralmente inconsciente) para o fazer também.

Neste Dia Mundial do Brincar, que medidas se impõem?

Espalhar a ideia de que a cooperação humana, a empatia pelos outros, o melhor aproveitamento dos talentos de cada um exige que estamos ativos e sensibilizados para a importância da brincadeira.