José Eduardo Agualusa. “Nunca pediria asilo à embaixada portuguesa, com medo de ser entregue”

O escritor angolano diz que o regime de Eduardo dos Santos acaba quando terminar o dinheiro. E o dinheiro está a acabar

Os orixás, segundo reza Agualusa, não são bons nem maus. Podem fazer, à vez, o mal e o bem. Em Angola, as pessoas podem ter desejado o bem, mas muito mal foi feito. O último livro de José Eduardo Agualusa, “A Sociedade dos Sonhadores Involuntários”, é um ajuste de contas com a realidade e uma tentativa de os sonhos derrubarem os pesadelos.

Um dos personagens principais do seu  livro, uma espécie de Luaty de saias, diz, a certa altura, qualquer coisa assim: “Durante muito tempo pensei que todos os angolanos viviam em condomínios fechados, depois pensei que bebiam cervejas com os amigos e diziam mal de tudo, e não ligavam ao dinheiro, porque o tinham, e a certa altura descobri os outros 90% dos angolanos que ligavam muito ao dinheiro porque não o tinham.” Qual dessas três Angolas o escritor e cidadão Agualusa conhece melhor: os ricos, os intelectuais ou os pobres?

Eu sou mais velho que a personagem do livro, já tinha 15 e 16 anos durante a independência. Eu assisti ao nascimento dos condomínios. Atravessei tudo isso. Vi de tudo. Esta nova geração, mais da minha filha que do meu filho, é que pode viver dentro das paredes de um condomínio e acreditar que Angola é isso. Eu não tive essa experiência: vi-os nascer e sei que eles apareceram nos últimos 15, 20 anos. Eu não me posso enquadrar aí, porque vivi as diferentes realidades de Angola.

Tanto essa rapariga do teu livro como Luaty Beirão estão na elite angolana, naqueles que meteram a mão na massa da repressão em 27 de maio de 77 e que agora têm a mão cheia de massa. Como se pode tomar consciência nesse meio?

Há diferenças entre a minha personagem e o Luaty. No caso da minha personagem, ela vem de família ligadas ao poder, mas estas famílias não têm participação direta na repressão. Além disso, o Luaty é meu amigo, mas não conheço toda a família dele. Vou falar da minha personagem, porque essa eu conheço melhor. Eu estava a falar do Luaty porque, num artigo que escreveu sobre ele no “Expresso”, dizia que tanto o pai como o tio eram da polícia política angolana e tinham estado muito envolvidos na repressão de maio de 77. Mas não conheço a mãe dele. No caso do meu personagem, um dos progenitores é um jornalista, de uma classe muito diferente da mãe. Representa um conjunto de pessoas em Angola que fica um bocadinho em cima do muro: às vezes tomam uma posição, outras vezes preferem não tomar posição. Há várias maneiras e vários percursos. Alguns dos jovens que nascem nos condomínios, nessas condições protegidas, não tomam nunca consciência da situação do país porque ficam limitados àquelas paredes, têm um círculo de amigos que não saem daí. Outros tomam porque têm essa curiosidade pelo resto do país. No caso do Luaty, por razões artísticas. Fazia um tipo de  música de protesto que implicava a saída dele fisicamente para outros ambientes de Angola. E isso existe e acontece. Há até quem se interesse por esse tipo de música, conheça outras realidades e, depois, não dê o passo seguinte de contestação. No caso da minha personagem, ela dá esse passo de revolta. O grupo do Luaty surge no início dos processos da Primavera Árabe, já lá vão uns anos, e coincide comigo a escrever este livro. 

O livro tem como razão de ser esse processo que envolveu aquele grupo de jovens angolanos em que estava Luaty Beirão?

Comecei a escrever motivado por aquilo que estava a passar-se em Angola, na sequência da Primavera Árabe. E, evidentemente, ainda mais depois da prisão dos jovens, que foi uma coisa que eu acompanhei de perto e na qual me envolvi pessoalmente. Esta prisão dá origem a um movimento espontâneo de contestação. E esse movimento é extraordinário, alarga-se muito e consegue contaminar muitos setores da sociedade angolana. Muitos dos jovens que dão o rosto – artistas, etc. – são jovens que pertencem a esses círculos perto do poder.

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