Reforma da Floresta. Travão ao eucalipto “ainda” sem efeitos práticos

Governo prometeu travar plantação com a aprovação da reforma da floresta, mas associações ambientalistas admitem que podia ter ido mais além. Só no ano passado foram compradas mais de três milhões de plantas

A reforma da floresta, aprovada pelo governo em março passado, teve com principal foco o eucalipto e também foi um dos principais alvos da polémica. Do lado do governo estava a garantia de travar o crescimento desta espécie que, nos últimos anos, tem sido acusada de elevar o consumo de água, a erosão dos solos e, acima de tudo, em caso de incêndios estes serem mais difíceis de controlar.

Mas para a associação ambientalista Quercus o tal prometido travão ainda não apresentou qualquer efeito prático e já veio afirmar que são precisas tragédias como o incêndio de Pedrógão Grande para que os políticos se lembrem disso.

“O governo promete uma reforma florestal e a revogação da chamada lei do eucalipto e continua na mesma, isso é triste”, afirmou João Branco, presidente da Quercus, acrescentando ainda que a “famosa” reforma florestal, “até teve um efeito perverso” com a promessa de o Executivo acabar com a lei da liberalização do eucalipto, o que provocou “uma corrida” a esta espécie.

Segundo o dirigente ambientalista, só no passado inverno foram vendidas mais de três milhões destas plantas, que “são altamente inflamáveis e combustíveis, e cujas folhas e cascas podem ser projetadas em condições de incêndio e iniciar novas ignições a centenas de metros”.

João Branco chamou ainda a atenção para o facto de o incêndio de Pedrógão Grande ter ocorrido em grandes manchas de eucaliptal desordenado – numa região conhecida como pinhal interior – em que a gestão é fraca, uma vez que, no entender do ambientalista, os proprietários só vão lá para cortar.

A associação ambientalista aproveitou ainda para relembrar alertas que efetuou ao longo de muitos anos, aos sucessivos governos, “para a necessidade de serem aprovadas políticas públicas de longo prazo, promotoras da gestão sustentável da floresta, mas que infelizmente continuam sem ser aprovadas e implementadas”.

Uma atitude considerada incompreensível para a associação: “Os incêndios florestais são considerados o maior problema ambiental no nosso país, contudo, o governo continua sem implementar políticas públicas de longo prazo promotoras da gestão sustentável da floresta e do espaço rural, que tornem o território mais resiliente aos incêndios”.

Problema antigo O executivo de António Costa começou, desde cedo, a sustentar o travão no crescimento do eucalipto em Portugal ao determinar o congelamento até 2030 dos 812 mil hectares de povoamentos com eucalipto. Em resposta às críticas de produtores florestais e também da indústria, Capoulas Santos, ministro da Agricultura, Florestas e Desenvolvimento Rural, disse que o governo está “a respeitar e a cumprir a Estratégia Nacional para as Florestas”. A ideia é que, no futuro, as novas plantações de eucalipto apenas se possam realizar por substituição das zonas já plantadas.

Na raiz do problema está o facto de a indústria consumir, em Portugal, 8,5 milhões de metros cúbicos de madeira de eucalipto por ano, sendo necessário importar devido à insuficiência da floresta nacional – argumentos velhos que levaram a um novo problema: o setor quer aumentar a produção, mas nem todos concordam com este caminho para o futuro da floresta nacional.

A verdade é que nenhuma destas decisões agrada à Quercus. “O governo anterior, de forma totalmente irresponsável, aprovou um regime de arborização – conhecido pela ‘Lei do eucalipto’ pelo favorecimento que dá a esta espécie – , que está a promover o desordenamento, com a expansão dos eucaliptais e o consequente aumento da propagação e severidade dos incêndios florestais, que afetam pessoas e bens, com consequências nefastas em termos sociais, ambientais e económicas. Por outro lado, o governo atual, que prometeu acabar com esta ‘Lei do eucalipto’, não conseguiu até ao momento cumprir essa promessa”, salienta.

Já a associação ambientalista Zero diz que a maioria dos mecanismos de política florestal já existem, mas admite que poderia ter-se ido mais longe na última reforma, nomeadamente na gestão comum da propriedade, ou na capacidade de resposta de pequenas aldeias, isoladas em manchas florestais, através da instalação de bocas de incêndio, “porque os bombeiros não conseguem estar em todo o lado”. “Uma reforma florestal não se faz de um momento para o outro, leva tempo, mas há medidas simples que podem ser adotadas”, defendeu.

Reina na floresta O eucalipto é, sem dúvida, a espécie mais plantada em Portugal. No final de 2015, os números confirmavam que a aposta nesta árvores tem vindo a aumentar continuamente nos últimos anos. Em 2015, os dados do Inventário Florestal Nacional mostravam que, entre 1995 e 2010, a plantação desta árvore registou um crescimento de 13% contando com mais de 800 mil hectares plantados.

No entanto, a propriedade florestal é maioritariamente privada, com 2,8 milhões de hectares, ou seja, mais de 84% da área total detida por pequenos proprietários de cariz familiar, dos quais 6,5% são pertencentes a empresas industriais. Já as áreas públicas correspondem a 15,8 por cento do total, dos quais apenas dois por cento (a menor percentagem da Europa) são do domínio privado do Estado.