Rubina Berardo: ‘As instituições são sempre mais do que as suas lideranças’

Filha de uma pastora protestante, fala alemão e quer mais Europa para Portugal e mais autonomia para a Madeira. «Consensos» é a palavra persistente de alguém sem tempo para alisar o cabelo.

O apelido [Berardo] pesa? 

Evidentemente que há sempre uma curiosidade natural. As pessoas perguntam relativamente à família.

Nunca se sentiu prejudicada no PSD por ter Berardo no nome?

Prejudicada? Acho que não. É um assunto sem razões para ser polémico. Em Portugal ainda se vive muito a família como fator identitário, mas somos mais que uma proveniência genética.

Está a dizer que a deputada Rubina Berardo é mais do que a sobrinha de Joe Berardo.  

Tenho muito orgulho no percurso do meu tio, como tenho no meu pai, tendo em conta as origens da minha família. Tenho tios espalhados pelo mundo que tiveram que vingar na vida. Não nasceram privilegiados, numa altura muito difícil para a Madeira. 

E é filha de uma alemã…

… e de um madeirense. É caso para dizer que às vezes a integração europeia até funciona… [risos]

Fala alemão em casa? 

Também. Também gostamos de ecumenismo do ponto de vista linguístico. 

E sente alguma germanofobia em Portugal?

Isso vem de as pessoas não conhecerem muito bem a Alemanha ou o povo alemão e misturarem questões ideológicas e políticas com questões culturais. São estereótipos. Combatem-se com melhor conhecimento. 

Não ficou ressentida com o Governo alemão durante o período de resgate a Portugal?

A questão da dificuldade em compreender a política alemã deriva muito da opinião pública portuguesa. Tem tempos mais positivos, tempos mais negativos… Na questão do programa de ajustamento, as pessoas estavam a pintar uma divisão Norte/Sul. E nós deveríamos ser os últimos a sublinhar qualquer divisão. 

Recentemente foi a uma iniciativa para discutir a precariedade com partidos de esquerda. E também foi a primeira deputada do PSD a reunir com o sindicato dos estivadores. Para uma parlamentar do centro-direita, tem uma postura menos convencional no que diz respeito a causas mais associadas à esquerda. Ou não se considera de centro-direita?

O PSD é um partido social-democrata, do centro. Não existem monopólios de temas só para a esquerda tradicional. A política portuguesa beneficiaria mais de uma política de consensos e de fazer pontes entre partidos. Se temos uma conjuntura atual que não tem partidos extremistas, racistas ou xenófobos na Assembleia, esse é um capital que nós temos que manter. E só mantemos isso se aumentarmos o diálogo entre os partidos diferentes e as sensibilidades sociais diferentes. É fundamental haver essa cultura do consenso. 

Está a dizer que o Bloco de Esquerda não é um partido extremista?

Obviamente que tem perspetivas e bases ideológicas distintas das minhas. Mas extremista, quando comparado com os problemas de outros Estados-membros europeus? Dizer isso seria um manifesto exagero… 

Mas se olharmos para o barómetro ideológico, o Partido Comunista não está exatamente ao centro… Também define uma solução de consenso com o PCP? 

Existem casos onde há soluções de consenso com o Partido Comunista.

Quer elaborar? 

A questão dos sindicatos, por exemplo. Também não pode ser vista como um monopólio dessa esquerda tradicional. 

E foi por isso que decidiu reunir com o sindicato dos estivadores? 

Antes de ir disseram-me que talvez não fosse boa ideia, mas era mais importante passar a mensagem do que tecer considerações sobre o que é próprio ou não de um deputado do PSD. Correu bem e fui muito bem tratada. Tomei a iniciativa para colocar a perspetiva do meu círculo eleitoral sobre o aviso de greve que estava a afetar a Madeira. 

Não há um excesso de partidarização dos sindicatos? 

Novamente, é uma questão de cultura de consenso. Nós temos que puxar os sindicatos para esse consenso alargado e modernizá-los: evitar a eternização e maior rotatividade. Referiu a questão da precariedade. Por que é que essa esquerda tradicional há de declarar temas tabus para os partidos da oposição? Isso não é democracia… Convidaram-me para participar nesse painel e foi uma discussão muito frutuosa. 

Essa lógica de consenso – ou de apelo ao consenso – emana deste Presidente da República? 

Ele é um político que apela ao consenso e à descrispação, sem dúvida.

E essa crispação deu-se porquê?

São sempre precisos dois para dançar o tango… Não é uma situação a preto e branco em que só um dos lados tem culpa e os outros são os heróis. É um problema que deriva do estado de maturação da nossa democracia. Temos que sair das nossas trincheiras partidárias para criar esse espaço de consenso que, como disse e bem, o nosso Presidente da República também apela. 

O Eurogrupo – uma sala fechada, sem atas, gravações ou imprensa – decidir aquilo que os portugueses têm orçamentado para a Saúde, não é ligeiramente antidemocrático? Não a apoquenta como europeísta? 

Isso não acontece só no Eurogrupo. Acontece em níveis acima. Se queremos um sistema mais transparente e mais democrático na União Europeia era uma boa ideia começar pelo Conselho Europeu… 

Está a dizer que o problema é maior que o Eurogrupo. 

Estou a dizer que os resultados eleitorais e os sustos eleitorais que têm acontecido são também um sinal de que precisamos de maior transparência na política europeia, sim.

É esse o único problema que vê na política europeia?

Quanto tempo é que tem, mesmo? [risos]

E é difícil manter a fé europeísta com essa quantidade de problemas? 

A minha fé europeísta é inabalável. A Europa e o projeto de integração são o nosso garante de paz no continente. Nós precisamos de aumentar o diálogo entre os cidadãos para esbater muitos dos mitos que pensávamos já ultrapassados, mas que a crise do euro só veio sublinhar. Afinal, muitos estereótipos ainda persistem, tanto na população quanto nos dirigentes políticos. 

Está a falar de Dijsselbloem dizer que gastamos o dinheiro todo ‘em aguardente e mulheres’. 

É esse género de postura face a outras culturas, sim. 

E também há por via inversa, do sul para o norte? 

Claro. O caso específico dos alemães que são um ‘povo frio’. 

E não são? 

Não, não são. Convido-o a ir a Munique ao Oktoberfest para rapidamente terminar essa dúvida [risos]. São 89 milhões de pessoas. Em Portugal somos dez e nem toda a gente gosta de fado e sardinhas. 

E como resolvemos esses problemas?

Com mais integração. 

Está a defender uma tese federalista? 

Roma não foi construída num dia… 

E o amor à Madeira é tão grande quanto o amor à Europa? 

É natural que as pessoas tenham especial afeição ao sítio de onde vieram e onde cresceram. Eu trago sempre a Madeira no coração. Na sua natureza e na sua história, é uma região extraordinariamente cosmopolita. Os preconceitos entre o norte e sul na Europa também são visíveis entre continente e ilhas em Portugal. 

Quais? 

São preconceitos, muitas vezes, de quem nunca foi à Madeira… O estereótipo principal é achar que uma ilha tem que ser necessariamente menos desenvolvida. Se olharmos para a Madeira depois do 25 de Abril, é evidente que havia grandes problemas do subinvestimento crónico face a Lisboa. 

Ainda há esse subinvestimento?

Quando olhamos para os indicadores de crescimento e desenvolvimento económico – particularmente nas áreas da saúde e da educação – não. A Madeira chegou primeiro em muitas políticas social-democratas a nível nacional. Veja a escola a tempo inteiro: começou na Madeira. Mas ainda há muito a ideia de que as coisas para acontecerem primeiro só podem acontecer em Lisboa. São progressos que foram feitos muito graças ao estatuto de autonomia.

Porque defende mais autonomia para a Madeira em relação ao governo central e menos autonomia para Portugal em relação a Bruxelas?

Portugal ganha muito mais com uma maior identidade regional e regionalizada, através do seu crescimento por regiões e não através de uma hipercentralização a partir de Lisboa.

Mas Bruxelas também não é centralizadora?

Mas aí há um tratamento por igual entre os Estados europeus.

Quando o ministro das Finanças alemão compara a Grécia a Porto Rico, isso é um tratamento por igual?

Isso é uma declaração de um ministro de um Estado-membro.

Acredita que a Grécia foi tratada por igual em relação aos outros Estados?

Não, a Grécia teve mais programas de ajustamento. Hoje, a Europa não pode ter uma imagem de austeridade, tem que ter uma mensagem positiva.

Mas a imagem tem sido essa…

Não podemos perder o ideal da Europa à conta da crise do euro. 

Mas não respondeu à pergunta: por que é que a autonomia faz sentido dentro de um país, mas não dentro da União Europeia? O que é que a Madeira pode dar a Lisboa que Portugal não pode dar Bruxelas?

Porque eu ainda acredito em Delors e na Europa das regiões. O que precisávamos é de maior proximidade possível ao cidadão. Isso é feito ao nível das autarquias e ao nível das regiões. Existem áreas como os Negócios Estrangeiros e a Justiça em que é necessária uma abrangência nacional e uniforme. De resto, a maior proximidade ao cidadão faz-se com maior proximidade geográfica aos centros de decisão. A polémica à volta da candidatura de Lisboa à Agência Europeia do Medicamento é querer concentrar ainda mais. 

Mas o que é a Europa de Delors, hoje? 

É a Europa da subsidiariedade, das regiões. Com crescimento e coesão social. 

Os programas de ajustamento não prejudicaram essa coesão social?

É isso que estou a dizer. 

E esse prejudicar da coesão social não proporcionou a ascensão de partidos eurocéticos? 

A democracia tem um custo. E é esse custo que mantém a sociedade coesa e unida. Quando conduzimos, todos temos ângulos mortos no espelho retrovisor e isso não significa que não esteja ninguém atrás de nós. Quando os partidos tradicionais ignoram o ângulo morto, têm acidentes, têm choques eleitorais. Não podemos chegar a esse ponto em Portugal. 

Mas já não chegámos? O Bloco de Esquerda não é um partido tradicional e integra uma solução de governo em Portugal. 

O que esta solução de Governo fez foi, de uma maneira que poderia ser ainda maior, chamar estes partidos à co-responsabilização. Só não foi maior devido ao estado de maturidade da democracia portuguesa. E a longo prazo poderá ser bom para o conjunto da democracia.

Acha que a ‘geringonça’ poderá ser boa para a democracia, é isso?

Uma coisa boa é termos estabilidade política no nosso país.

E temos? 

Estamos a meio mandato… prognósticos é no fim do jogo… 

E entre uma coligação com o CDS e uma coligação com o PS, preferia o quê?

Tudo depende de quem está na liderança nos partidos. É sempre uma questão importante para ver a orientação ideológica de cada um. Mas veja o Governo da chanceler Merkel: a grande coligação é uma solução positiva.

A lógica de consenso que defendeu à pouco aplicar-se-ia a um Bloco Central?

Sim… 

Mas faz sentido querer um governo com a mesma pluralidade que um parlamento? Não são funções diferentes? 

Claro, mas repare que na Alemanha a oposição só representa 20% do Parlamento. Isso, em certa medida, pode colocar em causa a qualidade do escrutínio feito ao Governo. Mas para fazermos reformas, o consenso é necessário. 

E o PSD defenderia as mesmas reformas que o PS, ou vice-versa?

O PSD diz muitas vezes que é um partido reformista e isso é bom, mas é preciso definir quais são as reformas. As reformas não se podem cingir a um plano de ajustamento. 

É por isso que se acusa o PSD de ausência de discurso? Esvaziou sem o plano de ajustamento? 

Não. Esse é o facilitismo da ‘geringonça’, que prefere criar tabus sobre os partidos da oposição e esquecer quem foram os primeiros responsáveis pela existência do programa de ajustamento. Quando falo em consenso, quero dizer que é preciso mais ecumenismo na política nacional. 

Falando em ecumenismo. Como protestante, convidaria Pedro Passos Coelho, católico, para uma missa?

Claro! 

O último slogan dele foi ‘social-democracia sempre’. A sua moção a congresso chamava-se ‘uma social-democracia atlântica’. O que é isso? 

O que defendi foi acrescentar à autonomia e ao relacionamento com as regiões autónomas outra componente. O que podemos contribuir para o todo nacional, em termos de políticas social-democratas, em termos de concertação social? Em muitas coisas, já o disse, a Madeira foi precursora. Agora, é preciso integrar esse ADN social-democrata e essa visão atlântica. Se perguntar ao cidadão comum, 80% seria a favor dessa visão europeia, integrada e atlântica. O povo português não gosta de experiências radicais. 

Mas se 80% apoia uma visão europeia, quão legítima é uma solução de governo que depende de quem não defende essa visão? 

Isso é um dilema de António Costa.

É um dilema nacional.

E que o PSD sublinha recorrentemente. Não podemos circunscrever um partido apenas pela sua visão europeia. É preciso haver uma cultura de consenso e de pontes. E para fazer pontes são necessários interlocutores. Pode ir-se política a política, proposta a proposta, em diálogo com os vários partidos. Não apresentar ideias é uma rendição ao cinzentismo e ao taticismo político. 

Se vamos discutir e viabilizar política a política com quem estiver no governo, servimos para quê? O objetivo de um partido de poder não é estar no poder?

O objetivo é servir os cidadãos. Não é o poder pelo poder. Essa lógica é que afasta os cidadãos dos partidos. Chame-me idealista, mas é aquilo em que acredito. Não nos pagam só para bater palmas no Parlamento. Na oposição, o escrutínio não é a única tarefa. Construir pontes também é importante. 

Ficou muita surpreendida com a vida parlamentar? Era o que estava à espera? 

Os primeiros tempos são de adaptação às regras da casa. O que leva mais tempo é tomar conhecimento das hierarquias informais.

Tem saudades de casa? 

Vou a casa semana sim, semana não. Faço uma gestão com a minha vida familiar. 

Que é feita numa família monoparental. É difícil conciliar ser mãe, sozinha, com a atividade política? 

Com boa organização e com uma boa rede de apoio conseguimos tudo.

Ainda há algum preconceito contra as famílias monoparentais?

O nome não ajuda e há uma tentativa, às vezes, de menorizar a questão. Mas eu tenho muita sorte. 

O matrimónio pode ser uma forma de elitismo? 

Pode ser utilizada como ferramenta para isso, sim. 

E é protestante. Como se sente por trabalhar todos os dias num convento beneditino (São Bento)? [risos]

Temos as mesmas raízes da família cristã. É bom ter pluralidade nas vertentes religiosas também dentro da representatividade da Assembleia da República.

Influenciou-a politicamente o facto de ter sido educada numa família religiosa? 

Evidentemente. A minha mãe, sendo uma pastora luterana, teve um impacto. A vivência religiosa fez sempre parte da minha vida em termos de valores. 

Quais?

Os cristãos. A fraternidade, a moral. As origens do cristianismo são bastante explícitas. 

Ainda cultiva essa vivência hoje? 

Sim. Temos uma comunidade luterana na Madeira e aqui em Lisboa temos a comunidade luterana há mais tempo em atividade no estrangeiro. Faz parte da minha pessoa. 

Como viu a participação de um primeiro-ministro laico nas cerimónias em Fátima?

O primeiro-ministro [António Costa] percebeu a dimensão da vinda do Papa e decidiu associar-se a isso. Alguns dirão certamente que houve um grande aproveitamento político, mas cabe ao eleitorado avaliar isso.

E a Rubina acha que houve?

Acho que no tempo das selfies vale tudo…

Como deputada jovem, como vê a possibilidade de limitação de mandatos parlamentares? 

Em termos de princípio geral, se defendermos a limitação de mandatos a nível de autarquias e governos regionais, o mesmo princípio deveria aplicar-se à Assembleia da República. 

Até que idade se é jovem na política?

Há pessoas nas ‘jotas’ que têm mentalidade de sexagenários. Ser jovem não se limita ao ano em que se nasceu. 

Teve uma polémica com o deputado Carlos Pereira [PS/Madeira], que disse que as deputadas do PSD/Madeira teriam ‘saudades’ dele. Ainda há machismo na política? 

Há machismo em todo o lado. A política é só um espelho da sociedade.

Acha que há deputadas que sentem a obrigação de se arranjarem?

Certamente haverá quem gaste demasiado tempo com questões de imagem, mas não são só mulheres. 

Isso não é uma preocupação para si?

Nem por isso. Não consigo estar quieta tempo suficiente no cabeleireiro para me esticarem o cabelo. E não é preciso esticar o cabelo para ter vida política. 

O estilo mais coloquial de Alberto João Jardim como presidente do governo regional durante décadas não terá contribuído para a o estereótipo insular?

Lá está: você diz que é um estereótipo; eu digo que é regionalismo. 

Foi difícil a transição do fim de Alberto João para a nova liderança do PSD/Madeira?

Se fosse difícil não teríamos ganho as eleições regionais. 

Hoje, o Partido Popular Europeu detém a chefia do Parlamento Europeu, do Conselho Europeu, da Comissão Europeia… O PSD deveria ter saído dos Liberais europeus para o PPE? 

As questões sobre famílias europeias não são, para mim, irrevogáveis. Existem partidos que estão no PPE com os quais não vejo grande ligação com o PSD. 

Entre os Tories e os Labour, diz-me Libdem. Entre Fillon e Hamon, diz-me Macron. Entre Merkel e Schülz, diz-me liberais. Aponta sempre para o centro, não é? 

Sim, a virtude está no meio. [risos]

E o PSD está aí?

Está, a história do partido demonstra isso. O PSD é um partido centrista. As instituições são sempre mais do que as suas lideranças. 

O partido desvirtuou-se nos últimos anos?

Eu entendo os condicionalismos do programa do ajustamento. A escolha de políticas por parte de um governo com 100% de soberania por estar fora de um programa de ajustamento será sempre diferente de quem tem que lidar com ele. É a justificação para aquilo que uns alegam ser uma ‘deriva’, mas não é uma ‘deriva’: foram condicionalismos do programa de ajustamento.

Então foi uma obrigação e não uma opção ideológica?

A história do PSD assim o exige.