Grandes áreas propagam incêndios

Para Pedro Ochôa de Carvalho, o problema está na falta de ordenamento de gestão florestal. A floresta pertencer, na sua maioria, a pequenos proprietários também não ajuda. 

«Grandes áreas contínuas da mesma espécie favorecem a propagação de incêndios». A garantia é dada ao SOL por Pedro Ochôa de Carvalho, investigador dos centros de estudos florestais do Instituto Superior Agronomia (ISA), que reage assim ao incêndio que deflagou no concelho de Leiria. O especialista critica o atual ordenamento de gestão florestal, que é pensado apenas do ponto de vista económico. «A questão essencial não são as espécies, é a forma como a vegetação é gerida, incluindo a gestão arbórea. E neste caso há vários fatores a ter em conta, quer se trate de eucaliptos, quer se trate de pinheiros ou de outra espécie porque todos ardem em situação de incêndio, o principal problema é o ordenamento de gestão florestal», diz o investigador.

O responsável lembra que a decisão da espécie a plantar foi feita, nos últimos anos, em função do mercado, ou seja, muitas vezes, esteve condicionada pela rentabilidade, que é um dado fundamental para a atividade rural. «Muitos dos que perderam as árvores já vieram dizer que vão voltar a plantar eucaliptos e esperar 10 anos para voltarem a ter o seu rendimento. Não estão a dizer que vão tirar os eucaliptos, isso é a lógica da rentabilidade. É evidente que fazem isso porque existe um mercado, caso contrário não o fariam», acrescenta.

Para o investigador do ISA, a espécie florestal implementada não deveria depender apenas de estratégia de mercado, defendendo, ao mesmo tempo, a criação de áreas descontínuas para que, no caso de um incêndio, este não se propague por zonas tão extensas. Ainda assim, Ochôa de Carvalho admite que «não é só por inviabilizarmos o eucalipto ou outra espécie qualquer que vamos ter uma resposta ao problema».

Também o facto de grande parte da floresta estar a ser explorada não só por privados mas, acima de tudo, por pequenos proprietários vem dificultar a gestão do ordenamento florestal. E a explicação é simples: «Há uma grande área em Portugal que não obedece a qualquer tipo de planos de ordenamento florestal».

Um cenário que apenas é respeitado por grandes empresas, uma vez que, para terem acessos a incentivos financeiros – comunitários e não só – implica a existência de planos florestais. E Pedro Ochôa de Carvalho dá, como exemplo, «pequenas regras» que são obrigatórias cumprir e que os privados nem sempre o fazem. «Mais de 90% da floresta está na mão de privados. E isso dificulta uma série de coisas, como garantir limpeza a 50 metros de determinado local que é obrigatório. Mas, na maioria das vezes, isso não é feito».

Braço de ferro

O eucalipto é, sem dúvida, a espécie mais plantada em Portugal. No final de 2015, os números confirmavam que a aposta nestas árvores tem vindo a aumentar continuamente nos últimos anos. Em 2015, os dados do Inventário Florestal Nacional mostravam que, entre 1995 e 2010, a plantação desta árvore registou um crescimento de 13%, contando com mais de 800 mil hectares plantados. No entanto, a propriedade florestal é maioritariamente privada: 2,8 milhões de hectares, ou seja, mais de 90% da área total é detida por pequenos proprietários de cariz familiar, apenas 6,5 pertencem a empresas industriais.

Para travar este crescimento, o Governo aprovou, em março passado, a reforma da floresta, que teve com principal foco o eucalipto, espécie que mais uma vez esteve no centro da polémica. Do lado do Executivo estava a garantia de travar o crescimento desta espécie que, nos últimos anos, tem sido acusada de elevar o consumo de água, a erosão dos solos e, acima de tudo, de dificultar o controlo dos incêndios. Para isso, determinou o congelamento até 2030 dos 812 mil hectares de povoamentos com eucalipto. A ideia é que, no futuro, as novas plantações de eucalipto apenas se possam realizar por substituição das zonas já plantadas.

Uma decisão que não agradou à indústria do papel, que chegou mesmo a ameaçar travar investimentos. Isto porque, no entender dos industriais, as empresas do setor consomem 8,5 milhões de metros cúbicos de madeira de eucalipto por ano, mas precisam ainda de importar dois milhões devido à insuficiência da floresta nacional. Desta forma defendem não um travão, mas sim uma necessidade de aumentar a produção.

Contactado pelo SOL, a Associação da Indústria Papeleira (CELPA) lembra que todos os anos a indústria investe mais de três milhões de euros em ações de limpeza de floresta, manutenção e combate a incêndios. Além disso, afirma que «segundo os dados oficiais, entre 2000 e 2015 a maior parte da área ardida em Portugal correspondeu a matos e pastagens, que representaram 49% do total. O eucalipto, matéria-prima da indústria papeleira, representou apenas 13%».

Já em relação à reforma florestal, a associação do setor diz que as medidas «são muito negativas e limitadoras, com consequências gravíssimas para a economia, o mundo rural e os cerca de 400 mil pequenos produtores florestais». E faz o retrato desta indústria: a fileira florestal pesa cerca de 5% do PIB, 9,4% das exportações (dados de 2014) e representa cerca de 90 mil postos de trabalho (diretos, indiretos e induzidos).

A CELPA aponta as razões para este tipos de catástrofes: «A maioria dos incêndios tem como origem o excesso de biomassa no terreno; deficiente planeamento do território; ausência ou insuficiente utilização do modelo de mosaico, que ajuda a preservar a biodiversidade e estabelece barreiras naturais à propagação de incêndios; o inadequado desenho e gestão de infraestrutura de suporte, como caminhos e aceiros, postos de vigia, acesso a fontes de água, entre outros; e a falta de forças públicas de combate e prevenção», garante ao SOL.

A estrutura que representa esta indústria afirma também que, em Portugal, nas áreas com gestão profissional de eucaliptais, pinhais ou montado, o perigo de incêndio é significativamente reduzido, através de uma gestão ativa dessas áreas, ou seja, pessoas a cuidar e a limpar os matos. «Nestas áreas os incêndios são menos frequentes e as suas consequências menores. A área ardida nas plantações sob gestão das associadas da CELPA, tem sido, nos últimos anos, e em média, inferior a 1% da área total gerida», acrescenta.

Ambientalistas acusam

Para a Quercus, o tal prometido travão ainda não apresentou qualquer efeito prático. São precisas tragédias como o incêndio de Pedrógão Grande para que os políticos se lembrem disso, acusa a associação ambientalista. «O governo prometeu uma reforma florestal e a revogação da chamada ‘lei do eucalipto’, mas continua na mesma, isso é triste», afirmou João Branco.

O presidente da Quercus chamou ainda a atenção para o facto de o incêndio de Pedrógão Grande ter ocorrido em grandes manchas de eucaliptal desordenado – numa região conhecida como ‘pinhal interior’ – em que a gestão é fraca, uma vez que, diz o ambientalista, os proprietários só vão lá para cortar. A associação aproveitou ainda para relembrar alertas que efetuou ao longo de muitos anos, aos sucessivos governos, «para a necessidade de serem aprovadas políticas públicas de longo prazo, promotoras da gestão sustentável da floresta, mas que infelizmente continuam sem ser aprovadas e implementadas».

Já a associação ambientalista Zero diz que a maioria dos mecanismos de política florestal já existem, mas admite que poderia ter-se ido mais longe na última reforma, nomeadamente na gestão comum da propriedade, ou na capacidade de resposta de pequenas aldeias, isoladas em manchas florestais, através da instalação de bocas de incêndio, «porque os bombeiros não conseguem estar em todo o lado». «Uma reforma florestal não se faz de um momento para o outro, leva tempo, mas há medidas simples que podem ser adotadas», concluiu.