O estômago de Costa

Embriagado pela volúpia inicial, António Costa declara a ‘geringonça’ uma vaca voadora 

Quem já foi a Peniche e apanhou o barco para as Berlengas sabe do que falo. Os primeiros quinze minutos da viagem marítima são feitos juntos às rochas que formam a península, bem abrigados do vento. Mal se passa o Cabo Carvoeiro, veem-se já as Berlengas – mas começa a sentir-se o vento e as ondas. A meio do percurso – a que se chama ‘meia-via’ – é quando o mar bate mais. Escusado será dizer que aí muitos estômagos não aguentam as ondas.

Este Governo entrou a governar como os turistas entram dentro do barco: em delirante euforia. O problema dos ministros e sobretudo do primeiro-ministro é o do poeta fingidor ‘que finge tão completamente que chega a fingir que é dor a dor que deveras sente’: acreditaram na propaganda socialista da narrativa do virar de página da austeridade. 

Embriagado pela volúpia inicial, António Costa declara a ‘geringonça’ uma vaca voadora. Já no início da governação de Passos Coelho alguém teve a triste ideia de dizer que aquele Governo iria para ‘além da troika’. Nunca percebi o que leva os nossos governantes a estes arrobos. 

Pedrógão, Tancos e cativações, incêndios, quartéis e falta de dinheiro, tudo se abateu sobre o Governo com a violência das pragas do Egipto, sem ser por acaso. E não é por acaso, porque é da natureza das coisas que elas aconteçam…

O Governo está a passar pelo pior momento desde que foi eleito – já admitiu o secretário de Estado da ‘geringonça’, Pedro Nuno Santos. Não se estranha. Passos Coelho, a meio do mandato, havia tido a crise da TSU e a demissão ‘irrevogável’ de Paulo Portas, que lhe cortaram a ligação emocional com os portugueses. 

Ainda neste exercício de comparação, manda a verdade dizer que António Costa gozou de um estado de graça que Passos Coelho não teve sequer. 

Por outro lado, Costa sofreu aquilo que não se deseja a ninguém: dezenas de mortos num dos acidentes mais negros da história colectiva portuguesa. 

Passos Coelho teve uma segunda metade de governação dura e sofrida, exactamente como António Costa vai ter agora. Facto de que o primeiro-ministro já se apercebeu. Não me parece que tenha tirado férias por diletantismo; tirou férias para se preparar para o que lá vem.

E o que lá vem é fácil de antever: os parceiros circunstanciais de viagem, PCP e BE, colaborantes até agora, não vão poder continuar a aceitar tudo, sobretudo as cativações (cortes). Pois se no tempo da austeridade as cativações iam no máximo até 500 milhões de euros, como é que no tempo da vaca voadora as cativações chegam aos 1.000 milhões de euros? Com o outono, vão chegar as greves e as exigências musculadas dos parceiros no Orçamento do Estado.

Passos Coelho ganhou as eleições em 2015, até porque a economia dava sinais de melhoria, fruto das reformas feitas até aí. Neste momento, a economia dá sinais igualmente positivos. 

Agora a atravessar a meia-via, António Costa vai precisar de estômago.