Santa Maria. A ilha do sol, dos blues e da sopa da Aida

Nos próximos dias 13, 14 e 15, Santa Maria deixa de ser uma ilha pacata de sol e mar para ser uma ilha pacata de gente e de blues. A ilha é palco do maior festival do género ao ar livre em Portugal e, só por isso, merece uma visita. Mas a espinha deste artigo…

Prometeram-nos a ilha do sol e assim foi, com direito a trilhos em direção à praia e escaldões de principiantes nas andanças no ponto mais quente do arquipélago. Mas ao segundo dia de viagem, os Açores mostram quem manda e acordam-nos com um nevoeiro que faz com que a vista possível seja apenas a que está à distância de um palmo.

Sem poder fazer caminhadas ou aproveitar a praia, inventam-se refúgios em esplanadas, bebem-se cariocas de limão para aquecer e aproveita-se a wifi para programar o resto da viagem – esquecendo-nos, claro, que nos Açores não se fazem planos. Mais uma vez, são eles que mandam.

E é precisamente com os Açores no comando que, ao tentar afastar-nos das nuvens carregadas, conduzimos o Nissan de 94 alugado ao sr. Jorge até à Maia, na zona sudeste da ilha.

Passamos pela vinhas em socalcos, pelas piscinas naturais, e há tempo até para conferir que a cascata do Aveiro é mesmo uma das maiores do país. Com a parte cultural arrumada, é inevitável aproveitar a segunda melhor coisa que os Açores oferecem a seguir às paisagens: a comida.

Já tínhamos provado cracas, lapas grelhadas, queijo com massa de pimentão, alcatra em taça de barro, cozido das furnas, inhame, bolo lêvedo e, quando se fala em peixe, quanto menos usual no Continente melhor. Boca-negra, abrótea, albacora, bicuda, bodião, lírio ou safia, já tudo nos tinha passado pelo prato. Achávamos nós, até parar à porta do único restaurante aberto nas redondezas.

O Grota

Não viemos ao acaso, vamos confessar. Havia quem nos dissesse que aqui se comia bem, ainda que de forma bastante simples. E que o atendimento era muito simpático porque ao balcão estava uma senhora que falava de forma engraçada.

A premissa era boa e decidimos passar a porta feita de uma cortina metalizada.

Ainda era cedo e, talvez por isso, a sala de paredes cor-de-rosa e teto azul estava vazia. Mas ouvimos uma voz na cozinha e avançámos. De lá vimos uma cabeça a espreitar. Era Aida, a proprietária do Grota, o restaurante que, ainda sem sabermos, ia revelar-se a surpresa da viagem.

Limpa as mãos ao avental, ajeita a mola que lhe prende o cabelo pintado em tons de louro e começa a explicar. “Well, aqui não ser bem restaurante. Estou a fazer o almoço para os pescadores que vieram agora do mar, you see. Se quiserem faço para vocês também.” Ainda a recuperar deste discurso entre o português e o inglês americanizado, demos um passo em frente e só não nos atirámos de cabeça para a cozinha quando ela disse o que tinha na panela porque ainda não tínhamos criado laços suficientemente fortes. “É canja de peixe.” Nunca duas palavras fizeram tanto sentido juntas na mesma frase.

A Aida

Aqui não há prato do dia, não há menu, não existem mesas reservadas nem lista de entradas ou sobremesas. Aqui há a Aida que todos os dias abre o restaurante como se fosse o prolongamento de sua casa e é por isso que todos comem aquilo que ela decide cozinhar no dia.

O peixe vem dos pescadores vizinhos, o pão vem de uma padaria local, os legumes são da horta que tem em casa e os biscoitos de orelha – outra das especialidades da ilha e que oferece com o café – são feitos pelas primas. “É tudo caseiro, tudo feito com o coração”, garante, mas nem precisava de dizer. Numa catadupa de palavras soltas nas duas línguas, Aida fala com as mãos cheias de anéis, os braços sempre abertos e olhos grandes, que servem de espelho a uma vida cheia.

Emigrou para os Estados Unidos com os pais em criança e por lá ficou, mesmo que o resto da família tivesse voltado para a ilha e para o Grota, um restaurante que, à época, era uma instituição. “Toda a gente da ilha vinha cá parar, era festas até de madrugada.” Tudo isto, lembra, feito com a energia de um gerador e com bacias onde ela e a mãe levavam a loiça para lavar em casa, quando a água faltava no restaurante.

A dinâmica era gira, mas não o suficiente para que Aida voltasse dos Estados Unidos, o que só aconteceu quando, com a morte dos pais, não quis ver morrer também este espaço que já não era só da família, era da ilha. “Eu até ajudava sempre que vinha a Santa Maria de férias, mas não me via a viver cá para sempre”, conta, ao lembrar um passado que só tem dois anos mas que já lhe parece demasiado distante. Afinal, Aida voltou e quer ficar aqui para sempre.