Clericus CUP. Pelo amor de Deus!

Campeonato de futebol entre seminários engloba equipas com representantes de mais de 65 países, sobretudo do Brasil, Itália e México.

Clericus CUP. Pelo amor de Deus!

Vou começar por Sérgio Porto. Ou melhor, Stanislaw Ponte Preta. Jornalista, cronista, escritor brasileiro, autor de sucessos como Tia Zulmira e_Eu ou Primo Altamirando e Elas. Mas começo por ele graças a Gol de Padre. Repare-se: em Gol de Padre, Stanislaw dá-nos a visão de alguém que espreita pela janela os meninos brincando no recreio. É do seu posto de vigia que observa o padre severo que não perdoa malandragens e expulsa as crianças mais travessas, mais insurrectas. Depois, quando fica sozinho, lá no pátio, pega na bola com a qual os miúdos tinham jogado e, arregaçando a batina, inicia uma sessão de dribles e marca mesmo um golo contra a parede da infância.

Gol de Padre deu título ao livro mas é apenas uma crónica entre outras. Tem aquele fundo de verdade que se impõe na ideia de que por debaixo da severidade do traje negro, há um menino encantado pela redondez perfeita da bola. Por isso, o gol de padre prolonga-se nos golos de padre. Os golos de padre que se marcam, a sério, embrulhados mesmo em rivalidades que já se tornam permanentes, na Clericus Cup. Ou o Campeonato Mundial Pontifício. Disputa-se anualmente entre os Colégios Romanos, seminários sedeados em Roma. Ou seja, equipas formadas por seminaristas que estudam sob os ditames do Vaticano. Com um objetivo: «Implementar a prática do desporto na comunidade católica».

Mais um nome para acrescentar a esta história: Tarcisio Pietro Evasio Bertone. Cardeal, camerlengo, o maior crítico da igreja em relação a Dan Brown e ao seu Código da Vinci, um fanático de futebol. Um dia surgiu com a ideia de que o_Vaticano deveria ter uma equipa profissional para disputar o campeonato italiano. Uma equipa que pudesse lutar pelo título, aceder às provas europeias. Como? Utilizando sobretudo os estudantes brasileiros das universidade pontifícias.

Claramente, há mais do que fazer na Santa Sé. Ninguém o levou a sério. Mas não deixou, por isso, de ser um dos entusiastas da tal Clericus Cup, sobretudo dentro das suas funções de Secretário de Estado do_Vaticano. E, pode dizer-se sem rebuço, a prova é, hoje em dia, um sucesso.

Tudo começou em 2003. Outro responsável: Jim Mulligham. Inventou um torneio a eliminar chamado Taça de Roma. Participaram oito equipas dos seminários romanos. Os vencedores foram ingleses: Venerable English College.

 

Uma evolução surpreendente

Em 2007, já as coisas tinham evoluído de uma forma gigantesca. Dezasseis equipas: quinze seminários internacionais e a Universidade Gregoriana. Duas divisões, A e B. Um sucesso!

Várias equipas foram ganhando destaque: Collegio Pio-Brasiliano, Seminario Francese, Pontifical North American College, Sant’Anselmo all’Aventino, Collegio Polaco, Mater Ecclesiae, Redemptoris Mater…

A imprensa italiana interessou-se pelo caso. Jornais como La Gazzetta dello Sport ou La Stampa deram e continuam a dar espaço à competição que chegou este ano à sua 11.ª edição. Até o insuspeito La Republicca, conhecido pelo seu anticlericalismo, pôs páginas à disposição dos golos de padre. E titulo: «São mais duros do que Materazzi!». Ah! Sim! É que as tranquibérnias rebentam aqui e ali como em qualquer jogo normal entre não crentes nos poderes divinos do_Senhor. A batina e a gola clerical não evitam as discussões sobre erros de arbitragem e não impedem que se jogue dentro dos limites aceitáveis da dureza. Não há é cartões amarelos e vermelhos. Os castigo, esses, têm direito a redenção. Há um cartão azul que deixa o prevaricador fora de jogo durante cinco minutos durante os quais se pode recolher com a sua consciência e receber o perdão.

 

Também em Portugal

Organizada pelo Centro Sportivo Italiano, patrocinada pelo Departamento de Desporto da Conferência Episcopal, a Clericus Cup têm regras próprias: cada jogo dura 60 minutos, divididos em duas partes de 30; podem fazer-se cinco substituições; o vencedor soma dois pontos e o derrotado um; o fair-play é, compreensivelmente, fator decisivo para todos os desempates.

O vencedor da última edição foi o Collegio Urbano, também conhecido pela Urbaniana. Com dois títulos anteriormente conquistados, em 2014 e 2015, igualou o currículo do Redemptoris Mater, campeão em 2007, 2009 e 2010.

O Collegio Urbano é uma universidade situada na Colina de Janicullum, uma das propriedades do Vaticano no exterior da Santa Sé. Na final do Stadio dei Marmi, local onde se disputaram os Jogos Olímpicos de 1960, venceu a PUG (Pontificia Università Gregoriana) por 2-0.

Não se deixe, no caminho para o fim da prosa, de referir que em Portugal também se disputa uma Clericus Cup, embora na modalidade de futsal. Este ano teve lugar em Santiago do Cacém, com os jogos a decorrerem no pavilhão do Juventude Atlético Clube e organizados pela Congregação da Missão Padres Vicentinos. Participaram oito equipas vindas da Guarda, Viseu, Porto, Vila Real e Lamego. Com a marca de qualidade que regista o facto de Portugal ser o bicampeão eclesiástico da Europa, tendo reconquistado o título no ano passado à custa da seleção de padres polaca.

Afinal, há que convir, também a vitória da equipa de Fernando Santos no Europeu de França pareceu, de alguma forma, abençoada. É tudo uma questão de fé…