Ku Klux Klan. A liberdade de ser racista na América

O mais conhecido grupo racista dos EUA tenta ressurgir com Trump. Por enquanto, continua na irrelevância

A cidade de Ellesburg condenou um homem a cinco dias de cadeia e 180 dólares de multa, no final de junho, por ter sido apanhado a distribuir folhetos com que tentava recrutar membros para o Ku Klux Klan. Harry Gallagher foi gravado por câmaras de videovigilância e denunciado por testemunhas. No tribunal, admitiu o seu crime: uma violação evidente das regras contra a distribuição de folhetos. A cidade de Ellesburg, em Washington, não o permite. Recrutar para a mais antiga, conhecida e infame organização racista do país é legal. Distribuir folhetos, não. Por outras palavras, pertencer, recrutar e manifestar-se em nome do KKK é permitido, bem como chamar “paneleiro” a alguém, “cabrão de um preto” a outra pessoa, fazer parte do partido nazi dos EUA, acenar bandeiras com suásticas e repetir a expressão nacional-socialista “sangue e solo”. Também o é manifestar-se com barretes pontiagudos contra a remoção de uma estátua de Robert E. Lee, o grande general secessionista dos americanos confederados, como aconteceu este fim de semana na Virgínia, onde 50 membros do KKK se reuniram contra mil contramanifestantes. Vinte e três pessoas ficaram feridas e a polícia teve de usar gás lacrimogéneo.

O Ku Klux Klan (KKK) é persistente, funciona em pequenos (às vezes minúsculos) grupos locais e autónomos, mas é, em última análise, irrelevante. Salta à atenção aqui e ali, como neste fim de semana ou em tempo de eleições, quando um antigo líder recomendou o voto em Trump e, no dia da sua vitória, disse que “a nossa gente teve um papel gigantesco”. A organização, no entanto, ronda por estes dias apenas os cinco mil militantes, espalhados sensivelmente pelos mesmos estados que na Guerra Civil americana lutaram contra o fim da escravatura e pela secessão. Historicamente, foi neles também que o KKK teve mais atividade em cada uma das três vidas: nasceu no fim da guerra civil e da restauração, quando o norte do país impunha o fim da escravatura ao sul derrotado; reapareceu no fim da I Guerra Mundial e no ressurgimento do isolacionismo americano; e voltou para combater o fim da segregação e o movimento pelos direitos civis dos anos 60. No que diz respeito a Trump, existe realmente uma poderosa aliança de grupos racistas e nacionalistas que o sustenta nas redes sociais. Mas o movimento está muito mais relacionado com a “direita alternativa” – ou “AltRight”, coincidentemente cunhado por um supremacista branco chamado Richard Spencer, mas que tem alergia a definições, instituições e opera sobretudo na Internet. O novo movimento racista não pertence aos velhos símbolos.

ferida racial

O protesto deste fim de semana demonstra que poucos estão dispostos a marchar em vestes do KKK. A manifestação, para além disso, estava há muito agendada como uma das mais importantes do grupo, que prometia até transportar armas pesadas em aberto. O contraprotesto, contudo, trouxe vinte vezes mais pessoas, embora não se dispute a ideia de que, em tempos feridas abertas, o KKK tenta pôr-se em bicos de pés. Trump parece ser um bom veículo para isso. “A urgência que temos em ligar Trump ao KKK ilustra o poder persistente da sua imagem, em particular os capuzes e cruzes em chamas, que garantem que mesmo que o grupo desfrute de pouca força ou militância, continua a ser material noticioso e uma face reconhecível”, argumenta Tom Rice, que escreveu o livro “Vestes Brancas, Ecrãs Prateados: Filmes e a Construção do Ku Klux Klan”. Nele, Rice explica que o grupo já fez esse ressurgimento antes, também agarrando-se a meios de comunicação, novas ondas políticas e tentando normalizar-se – “temos uma reunião uma vez por mês e vemos o que se pode fazer na comunidade”, costumava dizer o antigo dirigente Barry Black. No final da década de 1910, por exemplo, o Ku Klux Klan fez crescer os seus cinco mil militantes para o patamar dos cinco milhões, graças ao medo de propagação comunista e a uma onda de imigração.

Hoje existe de novo terreno fértil para o ódio na América, embora o mais provável é que não assuma a forma dos chapéus pontiagudos do KKK. Os crimes raciais aumentaram 20% no ano passado e a eleição de Trump está no centro desse aumento – quando Obama foi eleito, em 2008, houve um salto no número de grupos do KKK. Nestes crimes não se contam protestos como os deste fim de semana, ou os folhetos de Harry Gallagher, embora pudessem ser indicadores importantes para medir o fosso americano. Esta ordem de coisas não se vai alterar em breve. A jurisprudência é sólida e a Primeira Emenda ocupa um lugar especial no país. No último ano, quando um grupo do KKK quis apanhar lixo de uma autoestrada da Geórgia e foi impedido de o fazer, os tribunais protegeram-no.

Liberdade de ofensa

Travá-lo seria atropelar a emenda que protege a liberdade de expressão nos Estados Unidos – o caso fundamental que permite hoje a existência de grupos como o KKK foi decidido em 1977 pelo Supremo Tribunal, que permitiu que o partido nazi americano marchasse por uma vila especialmente populada por sobreviventes do Holocausto e judeus chamada Skokie. Ao contrário do que acontece na Europa, que escreveu as suas leis de liberdade de expressão no rescaldo da II Guerra Mundial e restringe hoje a formação de grupos políticos extremistas ou que promovam disparidades raciais ou de fé – pelo menos na maioria dos países –, os Estados Unidos têm apenas uma barreira à Primeira Emenda: a mobilização de violência. A América acredita no direito de ofender verbalmente, apenas não de forma física. O consenso é sólido, mesmo que a explicação mais comum seja a de que insultar alguém é, na realidade, inofensivo. Garrett Epps, um conhecido académico constitucional americano, lamenta que a distinção não seja mais clara: “A razão pela qual permitimos o discurso livre não pode ser a de que é inofensivo. Tem de ser porque preferimos que as pessoas se firam umas às outras – e à sociedade – através do discurso em vez de com balas e bombas”.