Gentil Martins responde às críticas

Antigo bastonário da Ordem dos Médicos mantém a posição defendida em entrevista, na qual catalogou a homossexualidade como um “desvio de personalidade” e a comparou ao sadomasoquismo ou auto-mutilação, e volta a descrevê-la como uma “anomalia”

Pelo menos duas médicas já fizeram queixa junto da Ordem dos Médicos devido às declarações homofóbicas de António Gentil Martins, mas isso não o impediu de as voltar defender. Numa mensagem reproduzida pelo “Expresso”, o cirurgião disse, referindo-se  à homossexualidade, que lamenta “quem sofre com essa questão” e argumentou que continua a considerá-la “anómala”.

Em entrevista àquele semanário, Gentil Martins tinha afirmado ser “totalmente contra os homossexuais” e dito que “não aceita” promovê-los. “[A homossexualidade] é uma anomalia, é um desvio da personalidade. Como os sadomasoquistas ou as pessoas que se mutilam”, defendeu o cirurgião de 87 anos. Para além disso, o bastonário da Ordem dos Médicos entre 1977 a 1986 disse ainda ser contra o casamento e a adoção de crianças por pessoas do mesmo sexo.

No sábado o bastonário Miguel Guimarães confirmou as denúncias contra as declarações do Gentil Martins, pelo que o conselho de jurisdição daquele organismo vai mesmo avançar para um inquérito para as analisar. Guimarães deixou para amanhã uma tomada de posição da Ordem sobre o assunto.

As declarações de Gentil Martins serão então avaliadas pelo conselho jurisdição da Ordem, uma vez confirmadas as denúncias prometidas, no sentido de se perceber se o cirurgião de 87 anos incorreu numa violação do código deontológico pelo qual se rege a profissão e desobedeceu aos deveres inerentes à mesma ou se as declarações são adequadas ao usufruto do seu direito à liberdade de expressão.

Num texto publicado no blog Jugular, a médica psiquiátrica e ex-candidata às legislativas pelo LIVRE – Tempo de Avançar, Ana Matos Pires, revelou que iria fazer uma exposição à Ordem dos Médicos e acusou Gentil Martins de ter cometido “vários e diferentes erros deontológicos graves”. “Não estamos só no domínio da opinião a que o sujeito tem direito”, escreve Matos Pires. Citando outros dois textos, a médica entende que as declarações do cirurgião “não são baseadas no conhecimento” e lembra que “à luz do conhecimento atual a homossexualidade não é uma doença psiquiátrica”. Afirmar que aquela é um desvio de personalidade, reforça, “é um erro científico”. “[Gentil Martins] diagnostica, porque é essa a palavra sendo ele médico, como ‘doente’ uma população inteira, que morre ainda em genocídios organizados no ano da graça de 2017. Anomalia é isto. Não há credo, nem oração que cure”, acusa.

No mesmo texto, Ana Matos Pires critica ainda a recusa, defendida pelo cirurgião, em “promover um homossexual”, e questiona se, em virtude do exercício do cargo de bastonário e do envolvimento em concursos médicos, enquanto júri, Gentil Martins não terá prejudicado colegas seus homossexuais, “em termos de carreira”. “Todos os médicos têm direito a ser tratados com respeito e consideração pelos seus colegas, sem discriminação ou perseguição, nomeadamente com base na ascendência, sexo, raça, língua, território de origem, religião, convicções políticas ou ideológicas, diferenciação, situação económica, condição social ou orientação sexual”, escreve a psiquiatra, citando o artigo 107º do Código Deontológico. 

Na entrevista concedida ao “Expresso”, o cirurgião plástico e pediátrico – com uma longa carreira ligada, sobretudo, ao Instituto Português de Oncologia e ao Hospital Dona Estefânia – afirmou ainda que quem recorre a uma barriga de aluguer para ter filhos está a cometer “um crime grave”. Questionado sobre o alegado nascimento dos filhos de Cristiano Ronaldo através desse método, Gentil Martins catalogou o futebolista como um “estupor moral”, que “não pode ser exemplo para ninguém”, e criticou a educação dada pela sua mãe.

Na mensagem divulgada este domingo, o médico declarou, no entanto, que “nunca foi” sua intenção “ofender a mãe de Ronaldo” e esclareceu que quando disse que o jogador de futebol não era exemplo para ninguém, referia-se “exclusivamente à escolha por ‘barrigas de aluguer’”, da qual discorda “totalmente, quer como pediatra quer como ser humano”.