O Algarve pela lente do Senhor Timóteo [fotogaleria]

Durante décadas as fotografias ficaram guardadas e dão agora corpo a um livro e a uma exposição patente até dia 16 de setembro em Estômbar. Tim Motion regressou ao Carvoeiro para apresentar o projeto, coordenado pela Encontros de Fotografia de Lagoa, uma parceria da Câmara Municipal e da Universidade do Algarve. Há 50 anos, ficou…

A alcunha veio do jeito algarvio de comer algumas sílabas e de um inglês por aquelas bandas não ser nada comum. Foi assim que Tim Motion ficou um dia senhor Timóteo. O fotógrafo britânico visitou pela primeira vez o Algarve em 1961 e regressou dois anos depois para uma temporada maior. Viria a ser presença assídua, morador mesmo, durante mais de uma década, até 1975. No Carvoeiro, onde chegou a gerir uma discoteca, encontrou um retiro para a pintura, mas a objetiva viria a registar a vida, a paisagem e as tradições hoje perdidas no tempo. As imagens ficaram guardadas durante os últimos 50 anos e agora dão corpo ao livro “Algarve 63”, com uma exposição patente até dia 16 de setembro no Centro de Interpretação Ambiental do Parque Municipal do Sítio das Fontes, em Estômbar (Lagoa), de onde deverá rumar a Londres.

Antes de passar a palavra ao fotógrafo, há que dizer que a ideia partiu de Nuno Loureiro, professor da Universidade do Algarve e diretor dos Encontros de Fotografia de Lagoa, uma parceria entre a autarquia e a universidade. Depois de encontrar algumas fotografias de Tim Motion, Nuno entrou em contacto com o autor e descobriu não só imagens mas imagens com uma história que tinha de ser contada. Tim fala português fluente, um dos pormenores que contam no livro. Começou a aprender sozinho com um livro chamado “Hugo – Portuguese in Three Months”. Depois começou a ler os jornais e o convívio fez o resto. “Aprendi muito com os pescadores nas tabernas, em conversas bem regadas com o tinto da Adega Cooperativa de Lagoa e com aguardente de medronho, uma bebida fulminante destilada a partir dos frutos dos medronheiros da Serra de Monchique. Penso que depois de três ou quatro meses já conseguia participar com algum à vontade numa conversa, e ao mesmo tempo ler e entender o português escrito”, lembra Tim Motion em “Algarve 63”.

Depois de um regresso este mês ao Algarve para estar na apresentação do projeto, Tim respondeu a algumas perguntas do i por email e em português, foi só preciso dar um jeitinho.

O que o trouxe ao Algarve no princípio dos anos 60?

Estudei vinicultura em Londres desde 1958. Passei nos exames e houve uma grande excursão às regiões vinícolas de França. Foi oferecida uma ida ao Porto para aprender e provar o vinho da região. Uma amiga minha tinha férias e, num carro emprestado, fomos até ao Algarve, onde ficámos duas semanas. 

O que o impressionou mais ao chegar?

A bela paisagem, gente simpática, as praias do Algarve e o peixe fresco.

Que imagem guardou na sua memória todos estes anos?

Tantas imagens! Os cheiros na paisagem, as rochas e as praias, peixe fresquinho…. 

Como era o verão no Carvoeiro nessa altura? Já havia as enchentes que vemos hoje no Algarve?

Na Praia do Carvoeiro havia só sete estrangeiros a viver permanentemente, incluindo duas crianças; no verão vinha mais gente e estudantes de Lisboa que talvez tivessem casas de férias na região. Toda gente fazia o ‘passeio’ às seis da tarde… Não havia bares (tabernas dos pescadores só), restaurantes ou ‘clubs’. Havia dois telefones, uma televisão no único café e dois carros – o meu e o do marido da professora da escola – e um táxi. Não havia água canalizada. 

Regressou agora para a apresentação do livro. Que diferenças lhe captaram mais a atenção?

A diferença entre ‘natural’ e ‘construído’; gente demais e construção a cobrir tudo. 

Quais são as suas recomendações para alguém que vá passar uns dias ao Algarve? 

Visitar todas as praias, fazer sardinhadas, ir a Monchique e Fóia. Cada praia tem o seu caráter. Gosto da Praia do Vale de Centeanes, perto de Carvoeiro, da Prainha, Praia da Marinha…. Gosto do restaurante Rui, em Silves. 

Deixa Portugal depois do 25 de abril. Sentiu que a revolução estava próxima?

Não tinha indicação pessoalmente, mas conheço pessoas que tinham contactos em Lisboa que foram ativos. Explorei uma discoteca (“Sobe-e-Desce”) em Carvoeiro de 1967 até ao fim de 1975. O nosso aniversário era no dia 23 de abril e fiz a festa; foram convidados o presidente da Câmara, gente oficial e os “secretos” da PIDE. Dois dias depois estes fugiram. No dia depois do 25 de abril todas as câmaras e escritórios oficiais mostraram a bandeira russa (martelo e foice)! Voltei em 78 para fotografar para um magazine; ainda existiam graffitis revolucionários. 

Fotografou outros cantos do planeta. O Algarve tem alguma coisa de especial ou singular que não tenha tornado a encontrar?

O Algarve tinha um ambiente especial, bravo, natural, sensual, simples, que ainda existe em parte, mas não se descobre facilmente, enterrado no turismo e construção moderna.

De que guarda mais saudades desta passagem pelo Algarve?

Tenho sempre saudades de Portugal todo. Felizmente existem cafés em Londres onde se podem comer pastéis de bacalhau.

Aproveito também para perguntar a sua idade, não encontrei na internet.

Tenho 81 anos. Não acredito…