Legislar com qualidade na CPLP

Não é novidade. Todos ouvimos, desde há muito, que se legisla mal e depressa. Que muitas leis não são claras. Ou que foram feitas com fotografias ao lado. Que a legislação é, em grande número de casos, feita ao sabor de urgências, quando não de emergências. Que o legislador não considerou por vezes impactos que…

Não é novidade. Todos ouvimos, desde há muito, que se legisla mal e depressa. Que muitas leis não são claras. Ou que foram feitas com fotografias ao lado. Que a legislação é, em grande número de casos, feita ao sabor de urgências, quando não de emergências. Que o legislador não considerou por vezes impactos que as normas iriam ter, resultando em consequências negativas suficientes para superar os benefícios delas decorrentes. Parece tratar-se de um fado. 

Mas não é. A União Europeia (UE) e a Organização para a Cooperação e o Desenvolvimento da Europa (OCDE), assim como outras organizações e cada vez mais países, incluindo Portugal, compreenderam a importância da temática pelo seu impacto, nomeadamente nos planos político, económico e social. É por isso que encontramos cada vez mais programas de better regulation e de smart regulation que são implementados aos níveis local, intermunicipal, regional, estadual e supra-estadual.  

O papel da legística, que é a área do saber que visa definir regras e métodos destinados à produção de normas de qualidade, foi entretanto também assumido como vértice de um projeto iniciado na Faculdade de Direito de Lisboa e que tem em vista, no essencial, desenvolver um espaço lusófono de regras comuns de legística. Num primeiro passo direciona-se para a definição das regras que devem ser seguidas na redação de normas de modo a que estas traduzam com clareza, simplicidade e segurança a intenção do decisor.

E será isto relevante? É óbvio que sim. Ao definir formas de redigir e sistematizar a legislação que sejam mais próximas entre si, criam-se melhores condições para que os cidadãos do espaço lusófono possam ter um melhor acesso ao direito em cada um daqueles países e territórios, facilidade também oferecida a todas as empresas que nesse âmbito se movimentam. Não se visa uniformizar soluções legais. Mas torná-las mais facilmente acessíveis para os 250 milhões de cidadãos falantes de português e para as empresas das respetivas jurisdições.

Por outro lado, valoriza-se também o potencial papel destes cidadãos e empresas, designadamente enquanto interlocutores privilegiados em face de terceiros interessados em investir ou fazer vida neste espaço. Adicionalmente, a transparência acrescida das regras aplicáveis a cidadãos e empresas tem consequências relevantes: nomeadamente por afastar custos relacionados com a compreensão das soluções, por diminuir riscos de litigância e por iluminar zonas cinzentas, pasto fértil para a corrupção e fenómenos conexos.  

Do que se trata é, portanto, de assumir uma cultura de legislação e de regulamentação inteligentes. O que prestigia as instituições, oferece confiança aos cidadãos e empresas e acrescenta legitimidade aos decisores. Neste caso juntando forças lusófonas em torno de um projeto que explora um potencial que está ao nosso alcance fazer reverter em favor da lusofonia e dos seus cidadãos e empresas.  

 

Declaração de interesses: o autor é investigador no referido projeto.  

António Delicado