Liberdade de pensamento

Lamentavelmente, alguns democratas que atacaram Gentil Martins e André Ventura deixaram-se confundir com os que queriam calá-los

Os ataques e insultos de que foram recentemente alvo Gentil Martins e André Ventura mostram que a liberdade de pensamento em Portugal ainda não é aceite por todos. Quando alguém pensa de modo diferente do padrão estabelecido, a tentação é calá-lo, silenciá-lo, impedir que fale. 

Há tentativas para calar as pessoas à força. O Bloco de Esquerda, por exemplo, fez queixa de André Ventura a vários organismos, pedindo uma punição severa. Como aquelas crianças que vão fazer queixinhas aos pais porque uns meninos lhes bateram.

As opiniões, mesmo as que nos parecem mais erradas, as que nos merecem repúdio, combatem-se com opiniões e não com queixinhas ou insultos. Gentil Martins está errado ao dizer que a homossexualidade é «uma anomalia»? Então critique-se. Defenda-se a ideia oposta, prove-se que é uma coisa natural. Agora, fazer queixa dele à Ordem dos Médicos é de um ridículo atroz.

E O MESMO vale para as afirmações de André Ventura sobre a etnia cigana. Ele fez acusações objetivas: que muitos ciganos vivem de subsídios do Estado, que não cumprem regras de cidadania, etc. Ora, em vez de atacar Ventura, seria mais útil provar o contrário: que a esmagadora maioria dos ciganos está integrada e cumpre as suas obrigações. Responder a acusações concretas com ataques deixa no ar a ideia de que faltam argumentos para contrariar o que foi dito.

Em muitos grupos da nossa sociedade, a ideologia prevalece sobre a realidade. Não importa se o que se diz é verdade ou mentira – o que importa é se é politicamente correto. Ora, esta atitude conduz necessariamente a uma nova censura. Se a realidade contraria a ideologia, o passo seguinte é esconder a realidade para defender a ideologia.

TUDO ISTO surpreende e não surpreende. É verdade que o PCP lutou muito tempo pela liberdade e que o BE pretende ser também herdeiro dessa tradição. Só que o PCP lutou pela sua liberdade – não lutou pela liberdade dos outros. 

E é fácil provar isso. Nos países onde os partidos comunistas tomaram o poder, a censura foi implantada e a liberdade acabou. E não uma censura provisória, revolucionária, destinada a vigorar por um tempo curto – mas uma censura permanente, persistente, ilimitada no tempo. Ainda hoje, quais são os países que o PCP venera? A Coreia do Norte, a Venezuela, Cuba. Exatamente países onde não há liberdade.
Além disso, o PCP nunca renegou o seu amor à União Soviética, onde a liberdade de pensamento sempre foi implacavelmente reprimida. 

O COMPORTAMENTO de certos grupos perante opiniões contrárias às suas mostra que, se um dia fossem poder, não tolerariam uma informação livre. O PCP, o BE e muita gente sem partido usufruem da liberdade de crítica, da liberdade de informação, mas não a amam. Querem-na para atingir os seus objetivos – mas, se alguma vez os atingissem, não a deixariam usar pelos adversários. 
 Os revolucionários, por definição, não são democratas; e os comunistas e os bloquistas dizem-se revolucionários. 
A diferença entre um democrata e um não democrata é que o democrata quer a liberdade para todos – e o não democrata quer a liberdade só para ele. 

Curiosamente, quando estava a escrever este artigo recebi um e-mail onde se dizia:
– Quando um tipo de direita não gosta de armas, não as compra; quando um tipo de esquerda não gosta de armas, quer proibi-las.
– Quando um tipo de direita é vegetariano, não come carne; quando um tipo de esquerda é vegetariano, faz campanha contra as proteínas animais.
– Quando um tipo de direita é homossexual, vive tranquilamente a sua vida como tal; quando um tipo de esquerda é homossexual, faz um chinfrim danado para que todos o respeitem (Jorge Morais, in Carta a Pancrácio de João Sequeira Andrade).

P ara os democratas, os meios de comunicação social são ‘órgãos de informação’; para os não democratas, os meios de comunicação social são ‘instrumentos de propaganda’. A verdade só interessa quando lhes convém; caso contrário, é ‘reacionária’, porque serve os interesses do ‘inimigo’.

Fui durante mais de 30 anos diretor de jornais – 23 anos no Expresso e 9 no SOL – e sei do que falo. Sempre encarei as redações como espaços de liberdade, como lugares onde os jornalistas deviam ter condições para crescer e desenvolver-se como profissionais e seres humanos livres. Lugares onde não havia cartilhas, nem orientação ideológica, onde só contava o respeito pela verdade. Os que trabalharam comigo ao longo dessas décadas, e foram muitos, podem testemunhá-lo.

Nunca liguei à raça, nem ao sexo, nem à simpatia política, nem à orientação sexual dos jornalistas que comigo trabalharam. Ninguém foi discriminado. E no entanto, nos jornais onde houve direções comunistas – como no Diário de Notícias  com Saramago, ou no Diário de Lisboa no imediato pós-25 de Abril –, houve orientações ideológicas, houve censura, houve intimidação, houve jornalistas perseguidos. 

GENTIL MARTINS e André Ventura podem estar errados. Podemos repudiar o que disseram. Mas ninguém tinha o direito de os silenciar.  

Lamentavelmente, alguns democratas que os atacaram deixaram-se confundir com os que queriam calá-los. Deveriam ter dito: discordo do que disseram, mas tinham todo o direito a falar. 

E não me venham com a Constituição. A primeira função de uma Constituição é garantir a liberdade de expressão do pensamento, por muito aberrante que ele nos pareça.