Já lhe chamaram o lado negro do Facebook: até que ponto as redes sociais podem fazer mais mal que bem? Nuno Markl foi a última figura conhecida no panorama português a acusar cansaço. Depois da polémica gerada por um tweet do humorista João Quadros, de quem é amigo há 20 anos, o que motivou uma onda de insultos, anunciou ontem uma pausa para férias na sua vida facebookiana. “Não sei quando volta. Sei que há demasiado ódio, ira e embirração nesta rede, ou porque um gajo fez, ou porque não fez, ou só porque sim, e que a minha disponibilidade mental para isso tende a diminuir quando a idade aumenta. Sinto que isto não faz bem nenhum à saúde”, escreveu, o que motivou uma catadupa de comentários, alguns solidários. “O meu feed vai ficar muito mais pobre e, temo, muito mais radical. Só gente doida. Fechem a net 15 dias”, escreveu um dos seguidores.
Em maio, também Bruno de Carvalho anunciou que iria deixar o Facebook. “Deixem-me em paz”, pediu o presidente do Sporting. “ A minha vontade de proximidade com o universo leonino acabou por ter um lado perverso que não pretendo ver aumentado. Tem a ver com o ultrapassar de fronteiras onde se confunde vontade de estar próximo com o ser incomodado, a toda a hora, com opiniões despropositadas e intromissões na vida pessoal.” Regressaria dois meses depois e mantém a conta pessoal até para poder estar ligado ao Spotify.
Os desencantos com a rede social estão longe de ser casos raros, seja de figuras públicas ou de anónimos que volta e meia anunciam às amizades que tencionam tirar uma sabática, algo que nem sempre cumprem. As redes sociais andarão mesmo a minar a nossa saúde e bem-estar?
Como cocaína O problema parece começar logo no tipo de relação que se estabelece com estas novas realidades virtuais que congregam a maioria das pessoas com quem convivemos no dia-a-dia. De acordo com um estudo publicado pela Marktest no início do ano para assinalar o 13.o aniversário da rede social de Mark Zuckerberg, 4,6 milhões de portugueses utilizam redes sociais, o que corresponde a 70% dos residentes no Continente com idades entre os 15 e os 64 anos. A esmagadora maioria (94,4%) têm conta no Facebook, o que faz desta plataforma a mais conhecida e utilizada no país. Nos últimos cinco anos, o número de utilizadores portugueses no Facebook subiu de 2,9 milhões para 4,3 milhões. Guardar e Fechar Artigo
O segredo de tamanha penetração, que a nível mundial assume o número muito mais expressivo de dois mil milhões de utilizadores mensais (um quarto da população mundial), tem sido motivo de estudo por parte de investigadores praticamente desde o despertar da era de relações virtuais que redes como o Facebook vieram massificar. No ano passado, uma equipa da Universidade Bergen, na Noruega, revelou que, em utilizadores mais agarrados ao Facebook, a simples visualização de imagens associadas a esta rede social parecia ativar as mesmas zonas cerebrais associadas à dependência de drogas como a cocaína ou ao vício do jogo. “É assustador pensar nisto, uma vez que significa que os utilizadores podem responder a uma mensagem do Facebook no telemóvel antes de reagir às condições do trânsito se estiverem a usar a tecnologia enquanto vão na estrada”, comentou Ofir Turel, coautor do estudo da Universidade da Califórnia citado pelo “Telegraph”.
As pessoas vão responder mais depressa aos sons do telemóvel do que aos semáforos, concretizaria. “É este o poder do Facebook.” Com uma ressalva ainda assim importante: ao contrário do que acontece com o consumo de drogas, as áreas cerebrais que controlam os comportamentos compulsivos continuam a funcionar. “Têm a capacidade para controlar o seu comportamento, mas não têm a motivação pois não veem as consequências como sendo muito graves.”
Já este ano, em maio, um estudo liderado pela Universidade Vrije, em Amesterdão, concluía que, em pessoas mais dependentes das redes sociais, ver simplesmente o ícone da rede social Facebook desencadeia estímulos cerebrais semelhantes aos de um fumador que sente desejo ao ver alguém acender um cigarro. Ir ao Facebook, para utilizadores regulares, torna-se um hábito adquirido.
E o que ganhamos com isso? O impacto final na saúde mental continua, ainda assim, sem reunir consenso, embora continuem a surgir alertas e não faltem desabafos de quem se sente saturado. Também este ano, em abril, uma investigação que teve por base 5208 pessoas inquiridas pela Gallup em 2013, 2014 e 2015 concluiu que tanto “gostar” dos posts de outros como seguir links é um preditor de diminuição na autopercepção sobre a saúde física e mental e a satisfação com a vida. “A história completa do uso de redes sociais online é seguramente complexa. A exposição a imagens muito cuidadas da vida dos outros leva a comparações negativas e o volume de interações nas redes sociais pode prejudicar experiências reais com mais significado”, escreveram os autores na “Business Insider”.
O que parece complicado de descortinar é se, no caso de problemas como a depressão ou o transtorno obsessivo-compulsivo, as redes sociais são um gatilho ou acabam por exacerbar problemas já existentes. Numa revisão de literatura publicada em 2014 na revista científica “Cyberpsychology, Behavior and Social Networking”, Igor Plantic, investigador sérvio, assumia que o assunto continuava a ser controverso na investigação psiquiátrica. “Há muitas razões pelas quais um utilizador do Facebook pode ter a tendência a tornar-se depressivo, tal como há numerosos fatores que podem levar um individuo que já está deprimido a começar a usar ou a aumentar a utilização de redes sociais.” Mesmo em relação à alegada dependência das redes sociais, Plantic sublinhava não ser certo se poderá ser considerada uma doença independente ou apenas uma manifestação de outros problemas mentais como, por exemplo, distúrbios de personalidade.
Um estudo publicado em 2012 esbarrou na mesma encruzilhada. Investigadores da Universidade de Western Illinois investigaram a vida facebookiana de 294 estudantes universitários entre os 18 e os 65 anos e descobriram que os que tinham mais traços narcísicos tendiam a aceitar mais desconhecidos como amigos e a identificar-se mais vezes em posts e fotos, assim como a fazer mais atualizações no seu estado. Ainda assim, deixavam a dúvida sobre se era o Facebook a induzir estes comportamentos ou se as pessoas se limitavam a manifestar traços que já tinham. “O lado negro do Facebook precisa de mais investigação para conseguirmos perceber os seus aspetos benéficos e prejudiciais”, concluía Christopher Carpenter, um dos autores do estudo, citado pelo “Guardian”. “Se se pensa que o Facebook é um lugar onde as pessoas vão reparar o seu ego ferido e procurar apoio social, é crucial perceber que tipo de comunicação potencialmente negativa podemos encontrar nesta rede social e que tipo de pessoas participam nela. Idealmente, as pessoas vão envolver-se num Facebook pró-social e não no antissocial.”
No campo da depressão, um estudo publicado em 2016 deixou um aviso um pouco mais taxativo. Investigadores da Universidade Brown, em Rhode Island, concluíram que jovens adultos que reportavam mais experiências negativas no Facebook apresentavam mais sintomas depressivos, risco que chegava a ser três vezes superior. Contactos indesejados, mal-entendidos e bullying eram os comportamentos que deixavam mais marcas. Mas a temática da depressão tem outras nuances, uma vez que ajudar a quebrar o isolamento ou mesmo o facto de as redes sociais permitirem sinalizar sintomas e obter ajuda parecem ser o contrapeso neste purgatório virtual.
O destruidor de casamentos
Esta é outra esfera da vida que parece estar a ser afetada pelo peso crescente das redes sociais no quotidiano. Nos últimos anos têm-se sucedido as estatísticas que sugerem que o Facebook se está a tornar uma das principais causas de separação. Em 2012, um inquérito da Divorce-Online UK concluiu que um terço dos divórcios tem como base discussões por causa do Facebook.
E tanto do Reino Unido como dos EUA têm chegado relatos de que a plataforma é cada vez mais usada em caso de divórcio litigioso. Em 2013, um artigo centrado nas culpas do Facebook em matéria de infidelidade e divórcios concluiu que não será mito. Utilizadores intensos das redes sociais, aqueles que verificam o que se está a passar mais de uma vez por hora, estão mesmo em maior risco de rutura amorosa, em particular os que têm relações menos “maduras” (até três anos). “Investigações anteriores já tinham mostrado que quanto mais uma pessoa utiliza o Facebook, mais provável é que monitorize a atividade do companheiro. O ciúme induzido pelo Facebook pode levar a discussões em torno de antigos parceiros”, lembravam os autores.
“Além disso, o nosso estudo revelou que utilizadores excessivos do Facebook têm maior probabilidade de estabelecer ou restabelecer contacto com outros utilizadores do Facebook, incluindo antigos parceiros, o que pode levar a traição emocional e física.” No que diz respeito a intrusões, também não faltam alertas: uma análise divulgada este ano pela Universidade de British Columbia garantiu que um em cada cinco adultos norte-americanos já invadiu pelo menos uma vez a conta de um amigo ou companheiro sem permissão. “É uma prática disseminada”, disse o autor Wali Ahmed Usmani. Muitas vezes é por brincadeira, mas outras é por ciúme ou alguma briga.
A ditadura dos likes E faltava falar daquela angústia do post que não vê polegares esticados nem coraçõezinhos. Em 2016, um estudo apresentado por uma equipa do Facebook concluiu que não é tanto a quantidade mas a qualidade dos likes que parece afetar os utilizadores da rede social. Davam mais valor a likes de amigos próximos e parceiros e só 16% ficavam a sentir-se mal se o número de “gostos” ficasse abaixo das expectativas. Ainda assim, sentir-se esmagado pelos likes poderá ser sintoma de algo. Um estudo publicado este ano revelou que receber likes não parece fazer as pessoas sentirem-se melhor, mas é quem tem pior autoestima que sente mais necessidade disso.