As minhas dúvidas

Durante muito tempo, uma coisa era escrever sobre política – e outra, diferente, escrever sobre economia

Os comentadores políticos não falavam em défice, nem em dívida pública, nem em juros, nem em crescimento do PIB, nem em… Isso ficava para os especialistas no assunto.

Depois – sobretudo a partir da entrada na CEE – as duas áreas foram-se aproximando.
E hoje estão tão imbricadas que é impossível falar de política sem falar de economia.
Até porque boa parte da propaganda política se faz hoje a partir dos números da economia.

Os ótimos valores do défice obtidos por este Governo levaram alguns economistas a suspeitar de alguma engenharia financeira, que consistiria em lançar determinadas despesas diretamente na dívida, sem serem contabilizadas para efeitos de défice público.
Não sei se isto é possível nem como se faz.

Mas, por curiosidade, fui comparar o endividamento do Estado em 2016 com o défice registado no mesmo ano.
Em 1 de Janeiro de 2016 a dívida pública portuguesa era de 231,1 mil milhões de euros, e em 31 de dezembro ascendia a 241.1 mil milhões.
No ano passado, Portugal endividou-se, portanto, exatamente 10 mil milhões de euros.

E quanto gastou o Estado a mais?
Sendo o défice público 2% do PIB, e ascendendo o PIB a 184,9 mil milhões, conclui-se que o Estado gastou mais 3,7 mil milhões de euros do que o orçamentado.
Ou seja: o Estado precisou de 3,7 mil milhões para cobrir o défice, mas pediu empréstimos no valor de 10 mil milhões.
Para onde foram os 6,3 mil milhões de euros que sobraram?

No relatório sobre as contas públicas, o Banco de Portugal explica o seguinte: «O aumento da dívida pública em 2016 foi superior às necessidades de financiamento das administrações públicas, o que permitiu uma acumulação de depósitos de cerca de 4,0 mil milhões de euros».
4 mil milhões de euros? 
Mas o diferencial não foi de 6,3 mil milhões?
Procurei para onde foram os restantes 2,3 mil milhões de euros – partindo do princípio de que não se evaporaram – mas não consegui perceber, certamente por inépcia minha.
Entretanto, seja onde for que esse dinheiro está, levanta-se a seguinte questão: os limites ao défice público impostos pela União Europeia têm por objetivo evitar que os países se endividem em excesso; mas de que serve o défice ser baixo se, depois, o aumento da dívida é quase três vezes superior? 
Recorde-se que, para as agências de rating e para os investidores estrangeiros, o que conta sobretudo é a trajetória da dívida. 
E essa trajetória não é boa.

O Governo faz a sua propaganda com base em alguns números da economia – como o défice, o desemprego e o crescimento –, e ainda bem que esses números são bons.
Mas são ilusórios, pois têm quase exclusivamente a ver com um fator: o turismo.

O crescimento do PIB deve-se sobretudo ao aumento das exportações, e estas correspondem essencialmente ao aumento do turismo.
A diminuição do desemprego deve-se sobretudo à criação de postos de trabalho na restauração e na hotelaria, isto é, ao aumento do turismo. 
A subida do investimento deve-se em boa parte ao aumento exponencial do número de casas compradas por turistas estrangeiros. 

E depois há muitas nuvens negras. A dívida pública tem continuado a crescer este ano, e já ia nos 249,1 mil milhões em junho; ou seja, a meio do ano já tinha aumentado 8 mil milhões de euros.
A balança comercial voltou ao vermelho, depois de ter atingido o verde nos tempos da troika: as exportações representaram no primeiro semestre 27,8 mil milhões e as importações 34,1, o que significa que a dívida externa (que engloba famílias, bancos, empresas, etc.) cresceu 6,3 mil milhões de euros.

A trajetória do país é negativa e apenas o turismo nos salva.
Isto é: vivemos do dinheiro gerado noutras economias e que os turistas estrangeiros cá vêm deixar.
É melhor do que nada.
Mas não é nada lisonjeiro para nós. 
Naquilo que nos competiria fazer – reduzir a dívida pública e a dívida externa, para diminuir o peso dos juros e melhorar o rating do país – estamos a caminhar exatamente ao contrário.
Cantando e rindo, claro.