Graça Fonseca, Ben Disraeli e a direita

A direita falhou. Falhou na coerência de estar a falar de uma coisa que considera “indiferente” (se é indiferente, falam por quê?), falhou no próprio rótulo de indiferença da homossexualidade (como se esta não tivesse as décadas de discriminação que a heterossexualidade obviamente não teve) e falhou em presumir que a declaração corresponde a “um aproveitamento” quando…

Benjamin Disraeli era um homem extraordinário. Trata-se de o único primeiro-ministro de ascendência judia na história do Reino Unido, eleito no século dezanove, e um dos maiores responsáveis pela modernização do Partido Conservador britânico para o molde de ‘one-nation-party’ que hoje tem. Para alguns, foi o arquétipo de uma ‘disposição conservadora’ de fazer e pensar política. Também escreveu romances de amor.

Confrontado com eventos socialmente traumáticos na Europa continental – o massacre da Comuna de Paris dá-se três anos antes da sua chegada ao poder –, Disraeli entende muito depressa que há uma metamorfose na relação do poder com o povo que se poderia estender à Grã-Bretanha: a ascensão de movimentos contestatários, a popularização de Marx para lá dos círculos intelectuais, a teorização e concretização de ferramentas que faziam com que a ‘revolução’ não se houvesse extinguido com o Congresso de Viena e o regresso das monarquias.

O jacobinismo fora, em menos de um século, substituído pela ‘luta de classes’ e o operariado era inevitável num contexto industrializado – precisamente como o britânico. Disraeli, prudente, não combate esse operariado. Pelo contrário, convida-o, alargando o direito de voto às classes trabalhadoras pela primeira vez, duplicando o número de eleitores nacionais. Não houve tentações marxistas nem percalços revolucionários em Inglaterra porque, antes, Ben Disraeli reformou. A massa com que Marx propunha revolucionar a sociedade foi roubada pela prevenção de um conservador.

Esta semana, em Portugal, a direita falhou a esse legado.

Quando a reação à primeira governante que assume a sua homossexualidade é dizer que tal é “indiferente”, a direita falha. Falha na coerência de estar a falar de uma coisa que considera “indiferente” (se é indiferente, falam por quê?), falha no próprio rótulo de indiferença da homossexualidade (como se esta não tivesse as décadas de discriminação que a heterossexualidade obviamente não teve), falha em acusar Graça Fonseca de “fazer política” quando é política que se espera dos políticos, falha em presumir que a declaração corresponde a “um aproveitamento” quando a secretário de Estado não deu (e diz que não dará) outras entrevistas sobre o já dito e, sobretudo, a direita falha a si mesma.

Se Disraeli integrou as classes trabalhadoras antes de estas poderem ser usadas contra a sociedade sua contemporânea, a nossa direita não soube integrar a comunidade LGBT antes de esta ser usada contra si. Graças a isso, um eleitorado possivelmente moderado (pró-parlamentar, pró-mercado, pró-Ocidente) acaba por votar em partidos radicais que não defendem nada disso mas que defendem as referidas minorias. Para a direita, o único modo de denunciar o lado antidemocrático desses partidos é furtar-lhes as bandeiras que usam como capa e integrar essas minorias. Só assim se salvará o centro.

Hoje, a diferença entre um partido irrelevante e um partido de maioria é a diferença entre quem depende da previsão da desgraça e quem ambiciona futuro. O trabalho de um conservador foi, sempre, escutar a sociedade de modo a protegê-la e prepará-la para esse futuro, resolver problemas pequenos para evitar problemas maiores. A direita, em Portugal, parou de escutar. Optou pela surdez. O resultado é que ninguém a quer ouvir.