Ardem hectares e hectares de floresta em fogos ateados madrugada dentro, semeando a destruição e matando estupidamente dezenas de pessoas indefesas.
Regressado de férias, o primeiro-ministro descobre, subitamente, a figura da calamidade pública a título «preventivo». E aparece, em pose sorridente, na capa da revista do Expresso, como se nada tivesse acontecido e não fosse nada com ele. Promete agora (a contar para o focus group?) que as responsabilidades de Pedrógão «não ficarão solteiras», quando tudo aponta em sentido contrário.
Que país é este?
Secadas as lágrimas, a ministra da Administração Interna anunciou, também em jeito de balanço à tragédia de Pedrogão, que falhou o sistema de comunicações de emergência, SIRESP (o qual, aliás, continua falhar), que houve «descoordenação no posto de comando» da Protecção Civil, e que determinou o apuramento de responsabilidades da Secretaria Geral do seu próprio Ministério, como se não tutelasse nada e fosse mera observadora.
Que país é este?
Caiu uma árvore secular na Madeira, matando 13 pessoas e ferindo mais meia centena, durante a romaria tradicional da Senhora do Monte.
Decretou-se o luto regional e nacional e assistiu-se, novamente, ao ‘jogo de empurra’, sem ninguém se dar ao incómodo de explicar porque foram ignorados os avisos do risco iminente feitos ao longo de anos.
Que país é este?
Há cerca de dois meses houve um assalto em Tancos, sendo roubado um importante lote de material de guerra.
O chefe do Estado-Maior do Exército surgiu em directo na RTP a anunciar a exoneração de cinco comandantes operacionais da Base (mais tarde reintegrados, sem o menor pudor de parte a parte) e garantiu, peremptório, que a sua demissão não lhe passou «minimamente pela cabeça».
De facto, tanto ele como o chefe do Estado-Maior General e o ministro da Defesa contradisseram-se o bastante para ficarem mal no retrato. Caiu o silêncio sobre as investigações. E os inquéritos da praxe devem ter o destino do costume: a gaveta.
Que país é este?
Ainda nas Forças Armadas, soube-se (na ressaca de Tancos) que por «ausência de recursos próprios» são contratadas empresas privadas, por ajuste directo, para assegurarem a «vigilância e segurança» de vários estabelecimentos militares.
O gabinete do ministro da Defesa ‘sacudiu a água do capote’ e colocou o assunto na alçada dos chefes dos ramos das Forças Armadas. E ninguém se interroga sobre o caricato da situação? Saberemos um destes dias que as esquadras da PSP – ou os quarteis da GNR – também contratam empresas privadas para montar sentinelas?
Que país é este?
Em finais de Julho, Ricardo Salgado concedeu uma entrevista cirúrgica ao DN (a cuja administração preside Daniel Proença de Carvalho, advogado pessoal do ex-banqueiro, pai de outro advogado que o patrocina), na qual disse o que lhe apeteceu, sem ser incomodado.
Da conversa extraíram-se frases sonantes para títulos, como O Banco de Portugal é que criou os lesados do BES ou O Banco de Portugal provocou o colapso e os lesados do BES.
O homem que era presidente executivo do BES quando recebeu um chorudo cheque de 14 milhões graças à «liberalidade» (como lhe chamou…) de um construtor, não se envergonha e insiste em atirar poeira para os olhos no espaço público, alijando qualquer culpa na ruína do antigo ‘banco do regime’.
E o centenário DN – e a sua direcção editorial – não se penitenciam por terem chegado a este ponto?
Que país é este?
Um ex-primeiro ministro é suspeito de vários crimes e principal arguido na Operação Marquês.
Circulam à sua volta não poucos indícios sobre o papel que desempenhou num esquema triangular de poder, envolvendo a banca (BES, CGD, BCP), a antiga PT e a comunicação social.
A complexidade da investigação tem sido invocada pelo MP para adiar sucessivamente a acusação, dando lastro à autovitimização dos arguidos e à tese de arquivamento defendida pelos advogados. Nos EUA, Madoff foi investigado, julgado e condenado em menos de um ano. O que emperra a Justiça portuguesa?
Que país é este?
O SOL divulgou, em edições consecutivas, conversas mantidas entre políticos, banqueiros e donos de jornais.
São tristemente reveladoras do que foram as cumplicidades entre ‘homens de mão’ de Sócrates, como Armando Vara, e accionistas de referência de jornais, como Joaquim Oliveira. A transcrição das escutas entre este e Vara é elucidativa do nível rasteiro dos interlocutores e de um mundo sórdido de favores.
E ninguém reage perante estas escutas – extraídas do processo Face Oculta e consideradas na altura por um procurador do MP, secundado por um juiz de Aveiro, como presumível «crime de atentado ao Estado de Direito», através da manipulação de media?
Que país é este?