O gene Dalí não mora aqui

Pilar Abel reclamava há anos ser o fruto de uma relação extraconjugal entre a sua mãe e Dalí. No final de junho, a sua pretensão levou uma juíza de Madrid a exigir a exumação de restos mortais do artista. Mais de dois meses depois os resultados dos testes de ADNforam conhecidos.

O gene Dalí não mora aqui

urante anos, nas ruas de Girona, uma antiga cartomante que lançava as cartas de tarot para um canal da televisão espanhola dizia a quem a quisesse ouvir que era filha de Salvador Dalí. María Pilar Abel, que nasceu naquela cidade do norte de Espanha em 1956, alegava que a mãe, hoje doente com Alzheimer e presa a uma cadeira de rodas, lhe confessara ter tido um caso amoroso com Dalí no ano de 1955, quando trabalhava como empregada doméstica de amigos do artista. Pílar acreditava ser fruto dessa relação ocasional e achava que as semelhanças fisionómicas não davam margem para dúvidas:«Sou Dalí sem o bigode», repetia.

Depois de sucessivos pedidos ao longo dos anos para que se realizasse um teste de paternidade (que chegou a ser realizado em 2007 mas os resultados não foram revelados à requerente), uma juíza de Madrid ordenou, em finais de junho deste ano, que os restos mortais do artista fossem exumados do seu túmulo, que se encontra no Museu-Teatro de Figueres, Catalunha.

María Pilar, que caso se comprovasse a consaguinidade passaria a poder usar o apelido Dalí e teria direito a uma herança milionária (25% do legado do artista), ficou encantada. «Estou muito contente. Agora vai saber-se a verdade sobre o meu ADN e porventura calarei muitas bocas, pela minha família e pela minha mãe», afirmou então.

Por essa mesma altura, um jornalista do El País questionava:«E se Salvador Dalí, em vez de bissexual, assexuado, entusiasta do onanismo, incorrigível voyeur, desaforado defensor do sadomaso, tivesse sido nas suas pulsões sexuais, simplesmente, de trazer por casa?».

A resposta chegou esta semana: a estranheza do perfil sexual não fica beliscada pelos resultados – Pilar não é filha do pintor. «Depois de analisadas as mostras biológica de Pilar Abel Martínez e as obtidas na exumação dos restos mortais de Salvador Dalí, […] os resultados obtidos permitem excluir Dalí como pai biológico de María Pilar Abel Martínez”, comunicou a Fundação Gala – Salvador Dalí. Ainda segundo a Fundação (que se reserva a possibilidade de solicitar a Pilar que pague os custos da operação), os resultados dos testes de ADN«põem fim a uma absurda e artificial polémica».
Pilar já reagiu às conclusões: «Nem eu nem o meu advogado temos os resultados. Enquanto não houver um comunicado oficial podem dizer o que quiserem. Eu não me escondo, seja o resultado qual for: positivo, negativo ou nulo, concederei uma entrevista coletiva».

O corpo de Dalí encontra-se sepultado na cripta do Museu-Teatro que o artista mandou erguer em Figueres, onde viveu recluso após a morte de Gala, sua mulher. Não chegou a ser congelado para poder ser “ressuscitado” mais tarde segundo os princípios da criogenia, como o artista chegou a imaginar, mas, de acordo com instruções dadas aos seus colaboradores, o cadáver foi embalsamado, exatamente como fora o de Gala sete anos antes. Esse facto fez com que a pele não estivesse em condições para servir de material de análise. Por isso foram recolhidas unhas, dentes e dois ossos, que agora serão devolvidos à cripta de Figueres.

Um dos aspetos que causaram mais surpresa quando se abriu o túmulo foi a constatação de que o seu icónico bigode continuava intacto. Que essa descoberta tenha sido motivada pelo pedido de uma cartomante que costumava dizer só lhe faltar o bigode para ser Dalí só torna tudo ainda mais insólito – à maneira de um bom enredo surrealista que possivelmente não teria desagradado ao genial pintor.