Medina agiu muito mal

Chegámos ao ponto de um político ter de ficar elegante, bonito e acutilante a responder a perguntas provocatórias dentro de um automóvel apertado. Aconteceu pela primeira vez nestas eleições autárquicas, por iniciativa de um jornal diário digital. Aqui já me parece que se foi longe demais. Tratou-se quase de um número circense, exigindo dos políticos…

Chegámos ao ponto de um político ter de ficar elegante, bonito e acutilante a responder a perguntas provocatórias dentro de um automóvel apertado. Aconteceu pela primeira vez nestas eleições autárquicas, por iniciativa de um jornal diário digital.

Aqui já me parece que se foi longe demais. Tratou-se quase de um número circense, exigindo dos políticos autênticos dotes de atores e atrizes: dizerem um texto bem dito em perfeita pose de manequim.

Outra coisa bem distinta é analisarmos as relações entre o património de um autarca, as aquisições de património e as empresas a quem adjudica contratos públicos.

Dar voltinhas de carro a responder a perguntas insolentes é demais; mostrar relações entre património e gestão da coisa pública é o mínimo. 

Grande parte da corrupção na administração pública dá-se nos concursos públicos, e grande parte da corrupção nas autarquias dá-se em matérias de urbanismo. 

Portugal fez um grande caminho desde os anos oitenta e noventa em que, para além de ser tudo pago em dinheiro, o fisco era inoperante, contando ainda com a aprovação generalizada da população, que convivia bem com a corrupção generalizada e com a fuga aos impostos.

Foram valores aldrabados de casas e impostos por pagar que fizeram cair governantes tão ilustres como Miguel Cadilhe ou António Vitorino.

Fizemos um tremendo caminho no país, a malha da lei começou a apertar, o fisco começou a funcionar, as mentalidades evoluíram, as pessoas começaram a cumprir, os governantes e autarcas acompanharam. Sabiam que declarar valores falsos ou não pagar impostos lhes acabava com a carreira política. Sabem que têm de declarar ao Tribunal Constitucional o seu património, justamente para o comparar, ver o que tinham antes e depois de exercerem funções públicas. Tudo em nome da transparência e do combate à corrupção. 

Aqui chegados, é fácil perceber que Fernando Medina fez tudo mal. 

Não podia ter comprado um apartamento a alguém que se chama Teixeira Duarte, quando a Teixeira Duarte é justamente uma das grandes construtoras do país – e sendo a CML, a que preside, uma permanente cliente de construtoras. 

O argumento que se tem invocado, o da proximidade aos sogros para cuidar dos filhos, não colhe. Não há babysitting que valha a reputação de uma vida. 

Temos de usar o critério do ‘homem normal’: nem um ás, nem um asno. 

Ora, qualquer homem ou mulher normal, qualquer pai ou mãe de família, sabe qual o aspeto que dá um autarca comprar um apartamento a uma construtora. Fernando Medina sabe, tinha o dever de saber, que pode comprar ou vender apartamentos a quem quiser, menos às empresas construtoras.

Medina veio argumentar que não sabia que a senhora Teixeira Duarte tinha a ver com a empresa, que se esqueceu de entregar a declaração no Tribunal Constitucional, que não percebe nada dos negócios imobiliários e nada sabe sobre valores abaixo do mercado.

Pode ser que sim. Mas então temos outro problema. Se não sabe, se esquece, não percebe, então este homem não serve para ser presidente da Câmara Municipal de Lisboa..

sofiarocha@sol.pt