Jorge Bacelar Gouveia: ‘Portugal deve ter videovigilância no espaço público’

O mais jovem catedrático de Direito em Portugal já leva 30 anos de carreira. Diz que o amigo Marcelo ‘não guarda rancores’ de ninguém e que é preciso reequilibrar a segurança com a liberdade

Jorge Bacelar Gouveia: ‘Portugal deve ter videovigilância no espaço público’

Até que ponto é necessário mudar a lei para adaptá-la às novas ameaças de segurança?

É verdade que o mundo mudou, especialmente desde o dia 11 de setembro de 2011. Na altura, confesso, achei as afirmações de que o mundo tinha mudado como algo exageradas. Hoje, convenço-me que infelizmente não eram. O mundo mudou mesmo. A chegada do terrorismo jihadista trouxe uma necessidade de repensarmos os equilíbrios que temos entre liberdade e segurança. 

Em Portugal também?

Em Portugal e na Europa ainda estamos ligeiramente adormecidos em relação a estes problemas e é necessário tomarmos medidas enérgicas. Todos os dias somos confrontados com ataques terroristas e não é só na Europa – Ásia, África… são é menos divulgados na comunicação social. É verdade que há algumas coisas que têm sido feitas, mas é fundamental repensar o tal equilíbrio. Em Portugal, nunca entrou na agenda política.

Porquê? 

Às vezes entretêm-se com coisas secundárias, sem perceber que este é – e vai continuar a ser – um assunto central. E o cidadão tem que tomar consciência da necessidade de proteger os seus direitos, prescindindo de alguma margem de liberdade para ter mais segurança. Mas devem ser os cidadãos a dizer o que querem. 

Mas se a segurança continua um debate adormecido… 

É um tema esquecido. É um tema incómodo porque traz alguns fantasmas e alguns preconceitos. No caso português, o fantasma é a PIDE e do Estado securitário, no pior sentido do termo, que era o Estado Novo. Mas é preciso ver que a segurança não é um mal dos cidadãos; a segurança é um direito dos cidadãos. Muitas vezes, na discussão política e jurídica, não se tem a consciência de que há um direito à liberdade mas também há um direito a segurança. Aliás, a Constituição explicita-o, equiparando as duas realidades. No artigo 27 diz que todos temos direito à liberdade e à segurança e está na altura de também valorizarmos o direito à segurança.

A liberdade é mais comerciável do ponto de vista político? 

Sim. Em Portugal falta uma cultura de reivindicação da segurança. 

Não receia que a segurança seja uma temática mais permeável ao populismo do que a liberdade?

É verdade que é. Mas há uma liberdade libertária que também é populista. Basta pensar nos movimentos anarquistas, nos movimentos do Maio de ’68, em Woodstock… Há um lado populista e folclórico na liberdade, não é só na segurança. É um assunto que não só tem sido esquecido como, no contexto da atual maioria parlamentar, ainda é mais difícil é de tratar. 

Porquê? 

Porque é uma maioria heterogénea. Tem múltiplas conceções, e algumas delas antagónicas, em relação à segurança. A visão da segurança do PS é diferente da do BE, que também é diferente da do PCP…

É mais difícil haver um debate sobre a segurança por haver ‘geringonça’, é isso que está a dizer?

Sim, é mais difícil por causa da tal heterogeneidade. E o clímax dessa característica dar-se-á na discussão da reforma do sistema político. Hoje, é evidente que o sistema político está esgotado, exaurido.

Mas já não estava bem antes da ‘gerigonça’.

Já não estava, é verdade. Até antes das questões da segurança terem tomado as proporções que tomaram. Não foi a ‘geringonça’ que exauriu o sistema político. Mas o problema aí é saber até que ponto tem capacidade reformista num conjunto de medidas que a dividem profundamente. A redução do número deputados – que os partidos mais pequenos não querem -, o voto ser obrigatório – que os partidos mais pequenos, por serem mais polarizados, também não querem -, a conjugação de círculos uninominais com círculos plurinominais… 

Isso também prejudicaria partidos pequenos que não estão na ‘geringonça’, como o CDS.

Sim, com certeza. Mas tenho pena que esta legislatura, que já tem dois anos, nunca tenha começado uma discussão séria sobre a reforma do sistema político. E também dirijo essa crítica à legislação anterior e fi-lo na altura, embora sendo da área política do PSD. Lamentei amargamente que não tivessem feito essa reforma. Claro que havia a limitação de ter como parceiro de coligação um partido, o CDS, com ideias aí contrárias às do PSD.

Portanto a heterogeneidade, afinal, não é só na ‘geringonça’…

Se for uma coligação de Bloco Central, porventura, não terá estas dificuldades… 

É um defensor dessa solução?

Em casos extremos, sim. E eu penso que a reforma do sistema político é um caso extremo, que exige a tomada de medidas urgentes. O esgotamento da representatividade do sistema político é enorme. 

Seria um Bloco Central possível com um Parlamento tão ‘crispado’? 

Não sei… Vamos ver… Com habilidade, António Costa tem conseguido importantes ganhos, conjugando os interesses heterogéneos dos partidos que o apoiam. É inegável reconhecer-lhe esse talento político. Mas também é inegável que grande parte desse sucesso se traduz num aproveitamento das importantes reformas que o PSD fez no anterior Governo, sobretudo na questão económico-financeira. Há também uma parte do mérito relacionada com uma melhor comunicação e uma maior atenção à pessoa concreta, à pessoa real. 

Um social-democrata seu contemporâneo descreveu-o como ‘um discreto marcelista’. Subscreve?

Não escondo a amizade longa pelo atual Presidente da República e, sobretudo, a grande admiração que tenho por ele. Marcou-me muito na minha profissão de professor universitário. Foi meu orientador de mestrado, foi meu arguente de doutoramento, esteve em todos os meus concursos até eu chegar a catedrático e fui assistente dele. Foi com ele que tive os momentos mais entusiasmantes da minha carreira académica. E já lá vão trinta anos. 

E politicamente?

Quando ele foi líder [do PSD], fiz parte dos órgãos nacionais. Infelizmente ele saiu como saiu e lamentei-o muito na altura. Mas tenho-me mantido presente: fui deputado na Assembleia da República, fui autarca com Pedro Santana Lopes – que apoiei ativamente e foi um grande presidente da Câmara de Lisboa que ganhou inesperadamente… 

Acredita que teria ganho este ano?

Se se tivesse candidatado, teria ganho. Mas não é disso que estamos a falar e deixe-me dizer que desejo muito que Teresa Leal Coelho triunfe este ano. Conheço-a bem, é uma pessoa competente, séria e trabalhadora. Foi minha assistente na Universidade Lusíada e tem todas as condições para ganhar a Câmara Municipal de Lisboa. 

Mas voltando um bocadinho ao Professor Marcelo Rebelo de Sousa… Quão diferente é o professor Marcelo do Presidente Marcelo?

Sinceramente, ele está igual a si próprio, como peixe na água. Ao contrário do que muitas pessoas dizem e ao contrário do que acontece com muita gente – em que o envelhecimento acumula ressentimentos e ódios -, com Marcelo Rebelo de Sousa acontece o contrário. Quem o conhece bem – como eu conheço há muitos anos – vê que ele está mais feliz do que nunca. Faz política estando por cima de todas as intrigas, de todas as traições. Não guarda rancores. Deseja fazer uma política acima das minudências e das pequenas crispações. Podemos achar que, aqui ou ali, esteve menos bem, que exagerou, mas isso é normal: todos temos virtudes e defeitos. Sobretudo, ele mostrou que se pode ser Presidente da República de uma forma completamente diferente.

É uma diferença só de estilo? 

É uma diferença de estilo que encaixa no quadro constitucional. Ele interpreta muito bem esse quadro, até porque foi deputado constituinte e professor de Direito Constitucional. Não extravasa.

Falando na Constituição, quão preparada está o texto constitucional para as mudanças na realidade que falava há pouco?

Eu acho que a Constituição tem mantido uma notável capacidade de sobrevivência que nos surpreende a todos. Começou por ser uma Constituição socialista na parte económica, pró-marxista, com um princípio da irreversibilidade das nacionalizações, mas com as várias revisões tem sido atualizada em função dos novos tempos. A meu ver, não é um obstáculo à plenitude da vida política e económica do país. As dificuldades que foram identificadas de normas constitucionais não só não puseram em causa o desenvolvimento do país como eram razoáveis à face da gravidade das medidas que tinham sido tomadas. 

A dificuldade em debater a segurança tem mais a ver com os agentes políticos que com a Constituição, então. 

Sim, mas em relação à segurança há coisas que a Constituição poderia acomodar melhor. A questão das escutas telefónicas feitas pelos serviços de informações. Penso que é uma medida que deve ser adotada, mas teria que haver uma reforma da Constituição para esse efeito. No que diz respeito aos metadados, é diferente. Não é a mesma coisa que uma escuta que ouve em ‘carne viva’ a mensagem que está a ser trocada, não são dados de privacidade de primeiro grau: só sabemos quem enviou, quem recebeu e a que horas. É uma medida essencial para cumprir a segurança. Uma vez que a Constituição é clara no sigilo das comunicações, ficaria mais confortável se houvesse uma alteração constitucional. 

Para mais medidas também?

 Há renúncias à privacidade benéficas. O caso da videovigilância no espaço público revela-se de grande utilidade: a redução da criminalidade que depois se verifica é enorme. Defendo a videovigilância, não de forma indiscriminada, mas com critérios: um parecer da Comissão Nacional da Proteção de Dados, a consulta dos moradores de cada local. Aí, especificamente, a democracia direta daria o seu contributo.