Lei anti-terrorista de Macron viola direitos fundamentais, afirmam especialistas da ONU

A proposta de lei pretende transferir algumas disposições do estado de emergência para a lei permanente

O presidente francês, Emmanuel Macron, propôs um projeto legislativo anti-terrorista ao parlamento que transfere certos poderes do Estado de emergência – em vigor no país há dois anos – para a lei permanente. No entanto, Fionnuala Ní Aoláin e Michel Forst, dois especialistas das Nações Unidas, alertam para a existência de disposições no projeto que  violam os direitos à liberdade, segurança, liberdade de reunião e religiosa. Os especialistas acreditam que se criará uma "situação de emergência permanente" em que as autoridades atuarão sem o controlo dos tribunais. 

Numa carta enviada às autoridades francesas, os dois especialistas alertaram que a nova lei tinha "uma vaga definição de terrorismo", exacerbando os medos, e que "os poderes de emergência poderão ser usados arbitrariamente". Forst afirmou ainda que "A ONU está a observar a França neste tema por causa do impato e posicionamento internacional do país", esperando que o governo francês "não inspire más práticas em outros países". 

Os poderes das autoridades sob o estado de emergência remonta à guerra da Argélia (1954-62), quando era utilizada na então colónia francesa para combater o movimento de libertação nacional.O estado de emergência aplicado na ex-colónia permitiu a prática de violações de direitos humanos, tema que ainda hoje é tabu na sociedade francesa, de acordo com vários historiadores.

Sob as disposições legais do estado de emergência, as autoridades podem conduzir raides e rusgas sem mandado e supervisão judicial, inclusive à noite; colocar suspeitos em prisão domiciliária fora dos normais procedimentos judiciais; encerrar locais de culto – muçulmanos, entenda-se; proibir a organização de grandes encontros; e expandir as operações de "parar e revistar" em áreas designadas. De acordo com a proposta de lei de Macron, estas disposições seriam incluídas na lei permanente, permitindo às autoridades realizá-las com ou sem estado de emergência no país. 

O presidente francês pretende acabar com o estado de emergência em novembro e prometeu reforçar as leis contra-terroristas para "organizar uma saída bem gerida do estado de emergência, tudo antes desse prazo. Gérard Collomb, ministro do Interior, apelidou o projeto de lei de "uma resposta duradoura a uma ameaça duradoura". 

O eterno debate entre liberdade e segurança perante o terrorismo voltou à sociedade civil, com grupos de direitos humanos, advogados e académicos a alertarem que a lei representa "um passo atrás" no Estado de Direito democrático. Uma das vozes críticas é a do historiador Patrick Weil, que avisou que a lei irá "dividir e estigmatizar" por permitir permanentemente operações policiais de paragem e revista baseadas na aparência e na cor. 

Opinião partilhada por Henri Leclerc, antigo presidente da Liga dos Direitos Humanos Francesa, que considera que "Macron está a sair do estado de emergência não para se livrar dele, mas para o tornar permanente", disse ao jornal francês Libération. Avisou ainda que a iniciativa do presidente francês pretende tranquilizar o público, mas as suas medidas criam "suspeitos" de terrorismo indiscriminadamente. "Esta é uma lei sobre suspeitos, e é perigosa", assegurou.