No dia em que se reuniram os responsáveis dos partidos no parlamento da Catalunha e marcaram para segunda-feira a ida de Carles Puigdemont, presidente do governo catalão, para proclamar os resultados do referendo de independência da Catalunha, o site El Confidencial afirma que o governo espanhol deu ordem para que várias unidades militares se desloquem para a Catalunha, oficialmente para protegerem as forças da ordem. Segundo este site, saíram terça–feira de Saragoça várias colunas militares, compostas por mais de 20 camiões carregados de tropas.
Este alegado movimento militar coincidiu com o dia da greve geral na Catalunha, em que cerca de 700 mil pessoas participaram em manifestações, segundo a polícia local; e com a declaração oficial televisiva do rei Filipe vi em que este garantiu que “a Catalunha continuaria a ser espanhola” e que os cidadãos da região, que seriam a “maioria silenciosa” dos súbditos da Catalunha, não estavam sozinhos e que o governo catalão não podia violar as leis e a Constituição espanholas. A comunicação do monarca apareceu como um apelo direto à utilização do artigo 155 da Constituição espanhola, que prevê a retirada da autonomia “se uma Comunidade Autonómica não cumpre com as obrigações da Constituição” e “atentar gravemente contra o interesse geral de Espanha” – um artigo que pode ser aprovado apenas pelo Senado, em que o PP é maioritário, e não estabelece limites temporais para essa suspensão das instituições democráticas da Catalunha. Madrid pode assim evitar a repetição de umas eleições catalãs em que os independentistas sairiam previsivelmente reforçados, depois do referendo e da repressão de 1 de outubro.
As reações ao discurso do rei não foram iguais entre os vários partidos políticos espanhóis: PP, Ciudadanos e PSOE apoiaram as palavras de Filipe vi sem reservas, com o PP a sublinhar “a firme determinação do rei na defesa da legalidade” e os socialistas a referirem o apelo do monarca “à concórdia entre catalães e os outros espanhóis”. Já os partidos de esquerda, como o Podemos e a Esquerda Unida, afirmaram que o monarca se limitou a fazer de porta–voz do PP, com o líder Pablo Iglesias e o seu oponente Íñigo Errejón, da linha mais moderada do Podemos, a considerarem que Filipe vi perdeu uma ocasião de tentar mediar o conflito – em vez de ser parte da solução, passou a ser parte do problema. Alberto Garzón, da Esquerda Unida, acabou o seu post no Twitter com um “viva a República”. Por seu lado, o Partido Nacionalista Basco apelidou de “torpes” as declarações de Filipe vi.
A justiça de Madrid acompanha a subida de intensidade do tom político da monarquia, ao convocar para a Audiência Nacional os organizadores das manifestações independentistas, Jordi Sánchez e Jordi Cuixant, da Assembleia Nacional Catalã (ANC) e da Òmnium Cultural, pelos “crimes de sedição”, que estariam associados à organização de centenas de manifestações pela independência nestes últimos anos.
O responsável de comunicação da ANC, Adrian Alsina, disse ao i que os dois homens estão reunidos com os seus advogados e que ainda não decidiram o que vão fazer, “mas que este crescendo de ameaças se enquadra num aumento da loucura do governo espanhol em relação à Catalunha. Depois de ter usado a repressão como única forma de resposta à ida dos catalães às urnas, pretende convocar a um tribunal que é herdeiro dos Tribunais de Ordem Pública franquistas os responsáveis de duas organizações que nada mais fizeram do que fazer manifestações e campanhas pacíficas, em relação a uma causa que, por um lado, o governo espanhol diz que, como qualquer ideia, é legítima de defender em democracia, mas, por outro lado, os seus tribunais acusam quem a defende do crime de ‘sedição’. Isso só tem uma interpretação: o Estado espanhol enlouqueceu”.
Mas as convocatórias judiciais não ficam por aqui. A Audiência Nacional – enquanto o governo de Mariano Rajoy envia tropas e mantém na Catalunha os 10 mil homens da Guarda Civil e da Polícia Nacional, vindos de toda a Espanha – convocou para declarações o major Josep Lluís Trapero, que comanda as unidades da polícia autonómica, os Mossos d’Esquadra, e a número dois dessa polícia, a intendente Teresa Laplana.
Para a próxima segunda-feira está marcada a ida de Puigdemont ao plenário do parlamento catalão, para anunciar os resultados do referendo de dia 1 de outubro. Segundo a lei do referendo aprovada nesse parlamento, o órgão terá de proceder em conformidade com os resultados. A porta-voz dos deputados da CUP, Mireia Boya, disse que isso só poderá significar uma coisa: “a proclamação da independência da Catalunha”.
Perante este cenário de previsível afrontamento, o site catalão El Nacional revela que o governo da Catalunha pediu à Igreja Católica que ajude a abrir uma porta de diálogo com Madrid. O executivo, através do seu vice-presidente, Oriol Junqueras, contactou altos dignitários da Igreja, entre os quais o arcebispo de Barcelona, Joan Josep Omella, para tentarem que a Igreja consiga mediar o conflito. Estes contactos são feitos numa altura que o Parlamento Europeu discute a situação da Catalunha e se ouvem as primeiras críticas de alguns líderes europeus à forma repressiva como Madrid tem lidado com a vontade de secessão da maioria do parlamento catalão, do seu governo e de grande parte da sua população. O último a somar-se a estas críticas foi o primeiro-ministro irlandês, Leo Varadkar, que declarou numa reunião do governo da Irlanda que dirá a Mariano Rajoy que a violência usada pela polícia espanhola foi “desproporcionada e é contraproducente”.