Esta palavra, pintada na parede de uma rua do Porto quererá dizer o quê? O que «ferve»?

Penso, inicialmente, que «ferve» a paciência de quem pintou esta palavra; ferve a sua tolerância para com as situações para as quais a sociedade e a política empurram o indivíduo; ferve a vontade de explodir e de fazer ver ao mundo que há que mudar; ferve a incapacidade para conter a raiva, que vai crescendo…

Penso, inicialmente, que «ferve» a paciência de quem pintou esta palavra; ferve a sua tolerância para com as situações para as quais a sociedade e a política empurram o indivíduo; ferve a vontade de explodir e de fazer ver ao mundo que há que mudar; ferve a incapacidade para conter a raiva, que vai crescendo dentro do peito e empurra, primeiro, a escrever na parede e, depois, a agir.

Também poderemos interpretar este «ferve» como individual, como uma necessidade de o indivíduo contar que ferve, por dentro, de amor; que ferve de tal paixão que não consegue deixar de a transmitir; que, para ele, como para o Abade de Jazente: «Amor é um arder que não se sente».

Pode, ainda, esta palavra significar que «ferve» em nós, todos nós, uma vontade de mudança, uma vontade de que o mundo mude e, por passes mágicos, nos devolva uma vida mais consentânea com o que planeámos, com o que gostaríamos realmente de viver. «Ferve» é, assim, uma constatação de uma realidade, tal como expressa por Camões: «Todo o mundo é composto de mudança».

Esta palavra também pode ser interpretada como um verbo no imperativo. Alguém está a ordenar-me (a mim e a quem passa): «Ferve». Está a ordenar-me que é hora de eu viver com mais intensidade, de sentir tudo com mais calor, com mais paixão, com mais envolvimento. É tempo de, como diz o poeta e pintor Fernando Lemos: «Reacordar / quando o tempo do morto é / vício». Cabe-me, pois, «ferver» e, assim, abandonar uma atitude passiva, de quem passa pela vida discretamente, sem a questionar, sem tomar as rédeas da vida, sem ferver por dentro e deitar para fora essa força interior que tanto contribui para mudar o mundo – o meu e o dos outros.

Seja qual for a interpretação que se lhe dê, esta palavra procura estimular a ação, acabar com a passividade, interna ou externa, denotando que algo está mal, que algo tem de ser feito se quisermos ser felizes, se quisermos estar envolvidos no que se passa à nossa volta.

Por vezes, o que ferve é a nossa relação com os outros, seja num sentido positivo seja negativo. A relação ferve porque está muito acesa, porque há uma paixão forte. Porém, a relação também pode ferver porque já chegou a um limite de intolerância tal que as duas pessoas já nem sequer se podem ver, e fervem por tudo aquilo que a outra faz ou deixa de fazer. Muitas são as relações que acabam em estado de acesa discussão. Outras acabam numa situação de indiferença, em que tudo o que existia acabou.

 

Maria Eugénia Leitão

Escrito em parceria com o blogue da Letrário, Translation Services