Soares da Costa em risco se segundo PER for recusado

Sindicato acusa construtora de “má gestão”  e apela ao chumbo do novo plano de revitalização.  Dívidas e salários em atraso dificultam vida da empresa.

Soares da Costa em risco se segundo PER  for recusado

Depois de o primeiro processo especial de revitalização (PER) da Soares da Costa ter sido travado, uma vez que não foi homologado pelo juiz do Tribunal do Comércio de Gaia, a construtora prepara um segundo que terá de ser votado até ao próximo dia 18 de novembro. No entanto, se este não for aprovado, a empresa arrisca-se a ter de fechar portas e a despedir os mais de mil trabalhadores que ainda estão na construtora. “Tudo depende da resposta do tribunal e dos credores. Se estes não aceitarem o PER e se o tribunal não o homologar, não vejo qual vai ser o plano C”, afirma ao i fonte próxima do processo.

De acordo com a mesma fonte, o segundo PER ainda está a ser ultimado, mas vai seguir, em grande parte, as medidas que foram apresentadas no primeiro, que foi chumbado pela justiça. “A reestruturação que estava pensada é para se manter. Uma empresa não pode estar a funcionar com centenas de trabalhadores em casa por estarem sem funções”, salienta.

O juiz do Tribunal de Gaia invocou, em maio, duas razões para recusar a homologação ao plano. A primeira relacionou–se com a obrigação de aceitar dações em pagamento imposta aos bancos que votaram contra o plano de recuperação, o que, do ponto de vista do juiz, iria inviabilizar essa componente do PER. A Caixa Geral de Depósitos, que era o maior credor, votou contra. E além do banco público, que reclamava cerca de 165 milhões de euros à construtora, votaram também contra o BPI, o Bankinter, o BIC e o BBVA. Já o BCP e o parceiro angolano Millennium Atlântico votaram a favor.

Outra questão esteve relacionada com a igualdade de tratamento dada aos credores por este plano, uma vez que os créditos reclamados em kuanzas (moeda angolana) têm um tratamento preferencial em relação aos valores reclamados em euros.

Os valores reclamados no total ascenderam a cerca de 1,4 mil milhões de euros, mas apenas cerca de metade foram reconhecidos. O plano previa o pagamento de todos os salários em atraso aos trabalhadores em atividade, com a exceção de um mês de salário, que seria pago ao longo de cinco anos. Estavam também previstos pagamentos das indemnizações por despedimento com justa causa e rescisões voluntárias durante cinco anos. Os primeiros pagamentos deveriam acontecer 45 dias após a homologação do PER, o que nunca veio a acontecer. 

Construtora não merece confiança

Apesar de o futuro da construtora estar dependente da aprovação deste segundo plano, o Sindicato da Construção afirma ao i que a administração da Soares da Costa “não merece a confiança dos credores”. Para o presidente da estrutura sindical, Albano Ribeiro, em causa está “a má gestão” da construtora e, “se nada mudar, também não há nada a salvar”, apontando o dedo à gestão de Joaquim Vitas. 

O responsável lembra ainda que os trabalhadores têm ordenados em atraso que variam entre os três e os oito meses – a situação mais grave ocorre junto dos colaboradores que estão inativos.  Mas as acusações não ficam por aqui. Albano Ribeiro diz ainda que avançou com um processo-crime por a construtora não pagar as quotas ao sindicato, apesar de esse valor ter sido descontado aos trabalhadores. Em causa estão 45 mil euros.

“A administração não merece a confiança dos trabalhadores, dos credores e do sindicato, ao ponto de ter sido movido um processo-crime por abuso de confiança, por dever dezenas de milhares de euros ao sindicato que descontou aos trabalhadores e não enviou para o sindicato”, refere ao i. 

Mário Ferreira rescinde contrato 

O certo é que a rescisão do contrato entre o grupo Mystic Invest (MI) e a Soares da Costa, que lidera o ACE (agrupamento complementar de empresas) criado para a construção e reabilitação do Monumental Palace Hotel, no Porto – um investimento superior a 20 milhões de euros -, foi mais um golpe na frágil situação financeira da empresa. “Os sucessivos incumprimentos por parte do ACE, bem como a manifesta incapacidade de solucionar questões de gestão interna, levam à conclusão evidente de não estarem reunidas as condições necessárias para que seja levada a cabo a conclusão da empreitada em tempo útil, nos prazos e nos termos definidos no contrato assinado pelas partes”, diz a MI, concluindo que, “perante este cenário de incapacidade e não havendo mínimas garantias futuras, não restou outra alternativa que não fosse a rescisão do contrato por forma a proteger e salvaguardar o seu investimento e o bom nome do grupo”.

O sindicato vê com naturalidade o fim deste contrato, uma vez que a obra está com seis a oito meses de atraso. “É uma situação incomportável para a Douro Azul”, refere Albano Ribeiro ao i. E acusa a construtora de desviar dinheiro, já que o grupo adiantou à construtora 1,5 milhões de euros para evitar a suspensão de fornecimentos, serviços e trabalhos.

“O presidente executivo da administração da Soares da Costa não cumpriu nem respeitou a disponibilidade do dono da obra ao não cumprir com os prazos para a execução da mesma”, acrescenta o sindicalista. Uma das soluções em cima da mesa é a hipótese de os trabalhadores da construtora poderem continuar a trabalhar na obra. No entanto, o responsável sindical diz ainda estar à espera da reunião com Mário Ferreira para saber quais serão as condições apresentadas, mas, para já, ainda não há nenhuma data marcada.

“O ideal é os trabalhadores suspenderem os contratos com a Soares da Costa por ordenados em atraso e fazerem um contrato de obra com a Douro Azul. Quando estiver tudo concluído, poderão voltar à construtora”, diz ao i. Ainda assim, esta possível solução está longe de ser pacífica. Albano Ribeiro garante que a Soares da Costa está a aconselhar os trabalhadores dessa obra “a meterem férias ou a irem para casa”. 

Contactada pelo i, fonte oficial da construtora disse apenas que: “a empresa encontra-se a avaliar a situação do ponto de vista jurídico para encontrar uma solução e assim que essa avaliação seja feita serão prestadas informações aos trabalhadores e aos fornecedores. Recorde-se que o empresário angolano António Mosquito entrou na construtora em janeiro de 2014 com um investimento de 70 milhões. Em 2016 esteve para ficar com 100% da Soares da Costa mas, em agosto desse ano, a sociedade deu início ao processo de recuperação (PER).

Construtora em contraciclo  

A produção na construção cresceu 2,6% em agosto quando comparada com o mesmo período do ano passado, de acordo com os últimos dados divulgados pelo Instituto Nacional de Estatística (INE). Este é o oitavo mês consecutivo de crescimento do setor, que superou o aumento de março, altura em que atingiu uma subida de 2,5%. A contribuir para esta evolução estiveram os dois segmentos: construção de edifícios e engenharia civil, tendo este último registado um aumento bastante superior ao verificado nos últimos meses (4,6%, quando o mais alto tinha sido observado em março e atingido os 2,6%). Ainda assim, a construção de edifícios também acentuou a tendência positiva ao apresentar um crescimento de 1,3%. Também o emprego acompanhou a tendência, tendo registado um aumento de 2,6%, o que também corresponde à variação mais pronunciada desde, pelo menos, o último ano. O emprego na construção também está a crescer há oito meses. Segundo os últimos dados do INE, as remunerações registaram aumentos nos quatro meses consecutivos, com a subida de agosto a atingir 1,3% – ainda assim inferior ao observado em julho, o que também poderá estar relacionado com pagamentos de subsídios de férias. Obras públicas puxam setor De acordo com dados da AECOPS, o valor das obras públicas contratadas nos primeiros seis meses do ano cresceu 86% face ao mesmo período do ano passado, tendo atingido 829,5 milhões de euros, contra 446,4 milhões de euros registados em 2016. No mesmo período, também os concursos lançados registaram um crescimento homólogo na ordem dos 69% (tendo passado de 1132 para 1913) e um aumento de 88% em termos de valor (735,2 milhões em 2016 para 1382,2 milhões em 2017). “Além de permitir inferir uma inversão da tendência de redução do investimento público dos últimos anos, esta análise retrata, em geral, um mercado em expansão, com mais obras, com mais donos de obra e com mais empresas a realizar obras, em média, de maior valor”, salienta a associação do setor.  As obras relativas à construção de redes de energia, redes de abastecimento de água e infraestruturas de transportes foram as responsáveis pela parcela mais significativa do investimento contratado – 307 milhões de euros, ou seja, 37% do total -, mas foram as obras relacionadas com os acabamentos em edifícios que registaram o maior dinamismo, crescendo 140% face aos primeiros seis meses de 2016