Legionela. Doentes estiveram em diferentes serviços do hospital

Doente mais velha tem 97 anos e está internada no edifício mais antigo do S. Francisco Xavier, com mobilidade reduzida. Mas há doentes que poderão ter apanhado a bactéria no edifício novo ou até no exterior 

Estão confirmados 38 casos de legionela ligados ao Hospital S. Francisco Xavier e as autoridades, que acreditam que o surto entrou em fase descendente, procuram agora determinar a origem exata da contaminação. Segundo o i apurou, o puzzle é complexo: entre os casos detetados encontram-se doentes que estiveram em zonas completamente diferentes do polo hospitalar na zona do Restelo, em Lisboa. Certo é que a maioria dos doentes são idosos e tinham algum problema de saúde, incluindo situações de doença oncológica, o que os deixava mais vulneráveis.

Os dois doentes que morreram tinham estado em edifícios distintos, um a fazer análises no edifício antigo e outro numa consulta externa no edifício mais recente do S. Francisco Xavier. A doente mais velha tem 97 anos e tem estado internada numa enfermaria do edifício mais antigo, com mobilidade reduzida. Já um dos últimos casos a dar entrada foi de um homem que esteve com o filho na urgência pediátrica, a zona mais afastada do edifício original do S. Francisco Xavier. Até ao momento não houve, porém, nenhum caso na zona materno-infantil.

As torres de arrefecimento ficam numa passagem entre os dois edifícios, usada pelos doentes e funcionários sobretudo quando está bom tempo, como tem sido o caso nas últimas semanas. Terem sido aí expostos a gotículas de água contaminada é uma hipótese. Fonte hospitalar explicou ao i que muitas vezes neste trajeto ao passar junto às torres sente-se o vapor, embora isso nunca tenha sido encarado com receio. Poderá igualmente ter havido algum foco nas condutas de ar ou até nas águas sanitárias – a legionela contrai-se através de aerossois, gotículas de água, contaminadas. Depois de as descontaminações terem começado no sábado, com as autoridades a acreditar que a situação está controlada, ontem foi feito um novo choque térmico na rede de água do hospital – a temperatura é colocada a 70º para eliminar eventuais bactérias.

O i tentou perceber junto do Centro Hospitalar Lisboa Ocidental, que integra o S. Francisco Xavier, ao todo quantos e que serviços foram afetados, ou seja, os locais onde já foi determinado que pode ter havido contágios, mas fonte oficial remeteu quaisquer esclarecimentos para a Direção Geral da Saúde. Questionada sobre esta matéria, ontem a DGS também não forneceu resposta. O Centro Hospitalar garantiu apenas que, neste momento, todo o hospital está a funcionar normalmente.

A confusão das autópsias

Depois dos velórios das duas vítimas mortais terem sido interrompidos na terça-feira ao final do dia por ordem do Ministério Público, que determinou a realização de autópsias médico-legais, os corpos foram ontem entregues às famílias. Ainda assim, permanece algum mistério em torno do que aconteceu. Em comunicado, o Ministério Público informou não ter recebido qualquer comunicação de óbito, tendo tido por isso a necessidade de recolher elementos para identificar as vítimas e perceber onde tinham morrido. Questionada pelo i, a Procuradoria Geral da República não esclareceu porém o que falhou ou quem. O i contactou igualmente os hospitais de Santa Maria e Lusíadas, onde morreram os doentes, no sentido de perceber porque motivo o óbito não foi comunicado ao MP. Os Lusíadas indicaram que, como é prática neste caso, estiveram em “estreito contacto com a DGS reportando a cada momento o evoluir da situação”. O Centro Hospitalar Lisboa Norte, que integra Santa Maria, não respondeu. Já a DGS não esclareceu também por que motivo os óbitos não foram comunicados ao MP na segunda-feira, quando foram confirmados numa conferência de imprensa pelas 17h30. O i sabe que os hospitais não foram avisados de que além da DGS deviam contactar o MP.

Sem respostas oficiais, terá sido um problema de diálogo ou falta de normas melhor definidas? António Ventinhas, do Sindicato dos Magistrados do Ministério Público, diz que as obrigações são claras: os hospitais devem comunicar os óbitos ao MP, atualmente algo possível até via eletrónica, perante mortes violentas, causa desconhecida ou suspeita de crime, como acredita que seria este caso.

Mas se no momento em que os óbitos foram confirmados o MP ainda não tinha instaurado um inquérito, como poderia um serviço hospitalar decidir se havia suspeita de crime? Ventinhas admite que esta é uma “situação de fronteira” mas talvez pudesse haver uma maior clarificação das normas a seguir nestes casos. Mas sublinha que, em caso de dúvida, essa comunicação também deve ser feita ao MP, a quem cabe determinar se a autópsia é realizada ou dispensada. “Ou então tínhamos de ter um magistrado do Ministério Público em cada hospital.”