China ameaça uma Europa atrasada no mundo digital

Cimeira terminou ontem com vários responsáveis a alertarem os governos europeus para a necessidade imperiosa de tornarem os Estados mais modernos e simples através da digitalização

A Europa, em especial quando comparada com os EUA, é vista muitas vezes como atrasada no mundo digital. Com a globalização da digitalização, a China aproxima-se do Velho Continente, que tem ainda várias barreiras que precisa de derrubar para aproveitar o potencial digital de desenvolvimento económico.

A primeira barreira é o ecossistema, que existe nos EUA há mais de 25 anos e, por isso, tem uma maturidade diferente. “A Europa tem de correr atrás no ecossistema”, aponta o cofundador e CEO da BlaBlaCar. Na opinião de Nicolas Brusson, é preciso “uma nova mentalidade, com business angels, empreendedores, financiadores” que permitam mais financiamento, em especial nas startups.

Já o comissário digital do governo de Itália considera que “há uma obrigação dos governos de se tornarem mais modernos e simples através da digitalização”. Diego Piacentini considera ser “difícil imaginar uma economia digitalizada quando o principal player não é digitalizado”. No entanto, com o nacionalismo a ganhar preponderância, “não há uma harmonização, por exemplo, dos sistemas laborais ou tributários”, o que limita a “digitalização e simplificação do mercado europeu”, por exemplo, em termos de vendas.

Mas ao mesmo tempo, considera Brusson, já se nota “uma nova mentalidade nas autoridades políticas”, dando como exemplo o fim do roaming ou a liberdade de circulação. “Começa a haver sinais de que a digitalização está a deixar de ter oposição política”, concorda Piacentini.

No entanto, uma intervenção política, em especial na regulação, ainda é entendida como necessária em várias circunstâncias. “Acredito no poder dos sistemas operativos desde que se respeite a neutralidade da plataforma. Se isto não acontecer, terá de haver intervenção política”, refere Klaus Hommels, fundador da Lakestar. 

O painel, que debatia ontem na Web Summit se a Europa está condenada a ficar para trás, concordou que se houver vontade política e regulação fortes, a Europa poderá liderar, por exemplo, na condução autónoma. 

Klaus Hommels dá como exemplo para a regulação política europeia “a legislação sobre os drones ou o controlo dos dados pessoais de que abdicamos” para o desenvolvimento dos negócios de base tecnológica, muitos deles centrados na utilização de grandes quantidades de informação. 

Mas, para isso, os próprios governos “têm de ter muito mais competências digitais”. O comissário digital de Itália considera que “a falta de competência digital dos governos é assustadora”. “Se não houver conhecimento, como se avaliam as situações?”, questiona Diego Piacentini.

A China, que se aproxima do Ocidente em termos de desenvolvimento tecnológico, é trazida pelo italiano como exemplo pela competência digital dos seus decisores políticos e por Brusson como um “país que apoiou as suas empresas até estas serem competitivas”. 

Foco nos clientes

Uma outra diferença entre a Europa e os EUA está no facto de as empresas europeias estarem mais direcionadas para o business to business (B2B) do que para o “business to consumer” (B2C). 

A Europa faz menos B2C “porque temos os campeões dos países que não são conhecidos noutros países”, explica o cofundador da BlaBlaCar. “Uma das maiores mudanças tem de ser o foco nos clientes”, diz Klaus Hommels. “As empresas têm sucesso se resolverem os problemas dos clientes”, garante o responsável da Lakestar. E os clientes são cada vez mais universais.

Questionado sobre o futuro, o painel considera que o difícil é antever quando será a próxima crise – que vai acontecer – e quais as empresas que estarão preparadas e conseguirão sobreviver. Mas a esperança é que, daqui a cinco anos, o “ecossistema será melhor, mais polarizado e com melhores governos”.

Quando se fala de digitalização da economia, são algumas as empresas que de imediato se associam a esta tendência. Uma delas é a Google, e o responsável europeu da gigante tecnológica norte-americana esteve também na Web Summit para falar da atividade da companhia no Velho Continente. 

“Queremos que a Europa esteja no futuro digital”, afirmou Matt Brittin, para quem nunca houve “melhor altura para se ser empreendedor”, uma vez que a “população conectada vai duplicar nos próximos anos” e as “regras são claras”.

“A plataforma [no caso da Google, o Android] é o que vai ligar”, diz Brittin. “Este é o melhor tempo para se ser empreendedor porque com um smartphone e uma ideia pode-se atingir um mercado de 5 mil milhões de pessoas.” 

As estatísticas revelam que três em cada quatro dispositivos usam Android e, como esta é uma plataforma aberta, “trouxe escolha e concorrência” aos consumidores, que podem, por exemplo, escolher as suas aplicações. 

Na Europa há neste momento 1,3 milhões de pessoas a trabalhar no desenvolvimento de apps. 

Na opinião do responsável, a grande mais-valia da Europa no futuro digital é a diversidade de culturas e os valores partilhados, dando com exemplo a política de privacidade. “O controlo de segurança e de privacidade dos dados pessoais é muito valorizado na Europa” e a Google está a trabalhar com os decisores políticos para esta segurança.

A empresa está também a trabalhar com os decisores políticos europeus na criação de emprego. “Metade dos empregos vão precisar de competências digitais e a Google, em parceria com as autoridades locais, está a dar formação a três milhões de pessoas.”

Brittin revela que a “procura por esta formação é avassaladora” e sinaliza que metade das pessoas que querem ter mais competências digitais têm mais de 40 anos e 47% são mulheres.

Daí conclui que a Europa terá sucesso no mundo digital porque “não há diferença de talento” em relação ao resto do mundo. “Há uma oportunidade para todos na Europa.”