Para muitos portugueses ir viver e trabalhar para a Suíça foi sempre uma solução. Nem sempre encontraram o que tinham sonhado, mas foram ficando. Agora, o El Dourado pode estar a um passo de deixar de existir para muitos.
Há dez anos que os portugueses emigrados na Suíça são obrigados a declarar o IRS do património que possuem, desde poupanças, a veículos ou aplicações financeiras. Tanto no país de origem como no de destino. Mas, até aqui, não existiam instrumentos para aplicar as penalizações a quem omitisse informações sobre o património. A lei existia, mas não era severamente fiscalizada. Agora vai passar a ser e levanta vários problemas. A Suíça quer apertar o cerco ao património que não é declarado e as alterações batem à porta de muitos já no próximo ano. Entrou em vigor o acordo em matéria de transparência fiscal que vai permitir, já no próximo ano, a troca automática de informações ao nível dos saldos das contas bancárias. Na prática significa que aqueles que não declararem o património até março, ficam sujeitos a uma multa. Mas não só. Um dos maiores problemas, cuja consequência é muitos pensarem em regressar por falta de alternativa, tem a ver com o facto de ficarem ainda sujeitos ao pagamento de impostos com retroativos dos dez anos em questão.
Susana é portuguesa, mas tem já mais anos de Suíça do que de Portugal. Vive em Lausanne há 30 anos e não esconde que se multiplicam casos de emigrantes que não conseguem ver solução para este problema que agora enfrentam: «Conheço pessoas que não vão ter alternativa. Não vão poder ficar porque não vão ter como pagar os retroativos. Até porque, mesmo tendo conseguido juntar algum dinheiro, a vida aqui é cara e não dá para tudo. Seria deitar fora todos os sacrifícios».
Também Paulo, a viver na Suíça há 20 anos, admite que «o que não faltam são casos assim. Há cada vez mais pessoas a admitir deixar o país. Para aceitarem pagar a multa e dez anos de retroativos teriam de perder uma parte muito importante da poupança que fizeram. É o esforço da vida que vieram cá fazer. É normal que não queiram. Mas também é normal que não queiram ser forçados a voltar para Portugal».
A incerteza e o medo fizeram com que muitos decidissem assinar uma petição para que o Governo português tome posição. O tema continua a ser um dos mais difíceis para estes emigrantes. O Consulado Geral de Portugal em Zurique admite mesmo que recebe diariamente «dezenas de telefonemas» porque há mais dúvidas do que certezas.
A verdade é que, de acordo com os dados mais recentes, residem na Suíça cerca de 270 mil emigrantes. Serão afetados os que possuam imóveis num valor superior ou igual a 140 mil euros, ou seja, 150 mil francos.
Menos dinheiro nos bancos
A verdade é que temos assistido a alterações na vida dos emigrantes, em geral. Olhando para as remessas para Portugal pode ver-se que o valor dos depósitos tem vindo a encolher.
De acordo com os dados mais recentes do Banco de Portugal (BdP), entre o final de junho e setembro deste ano, o valor dos depósitos dos emigrantes desceu e muito: 199 milhões de euros.
Aliás, no total, os emigrantes somam 6,92 mil milhões de euros aplicados em produtos, mas este é o valor mais baixo desde final de 2014.
Para muitos a explicação é simples. A quebra do valor de dinheiro depositado justifica-se com as baixas taxas de juro oferecidas e com a forte concorrência de produtos de poupança do Estado. Ainda assim, também há quem recorde a confiança que muitos perdem nas instituições bancárias, depois de ficarem sem as poupanças por causa da queda do Banco Espírito Santo. No entanto, é igualmente verdade que, apesar desta saída de dinheiro de emigrantes, as remessas continuam a apresentar valores positivos. De acordo com os valores calculados pelo Eurostat, em 2016, as remessas dos emigrantes portugueses lideraram a tabela da União Europeia com 3,34 mil milhões de euros. Acontece que, mesmo com estes números, o valor dos depósitos não aumentou. Pode até dizer-se que, no ano passado, assistimos a uma quebra de mais de 50 milhões de euros. Há depósitos, mas não tanto dinheiro nos bancos.
A vida que não se conta
A preocupação com o futuro na Suíça e a saída de dinheiro dos emigrantes portugueses dos bancos levanta para muitos ainda uma outra questão. Há muitos portugueses precários no estrangeiro. Por exemplo, em destinos tradicionais como Suíça, França e Luxemburgo, os portugueses trabalham sobretudo nas obras, restaurantes, limpezas e agricultura. Muitos, por vergonha, recusaram desde sempre regressar.
Tendo por base os dados provisórios referentes à Suíça, publicados em 2015, pode dizer-se que os setores onde a comunidade portuguesa está mais empregada continuam a ser a construção civil, a hotelaria e até a agricultura.
Esta realidade explica a manutenção de uma elevada taxa de desemprego entre a comunidade, maioritariamente sazonal. O desemprego nos meses de inverno é normalmente superior em 50% face ao «pico» de emprego de junho, julho e agosto. Neste sentido, em 2015, o desemprego na comunidade portuguesa radicada na Suíça atingiu o seu máximo em janeiro, com 14.774 desempregados.
No total, no final de 2015, cerca de 9% dos desempregados eram portugueses – um número que aumenta para cerca de 18,8% se considerarmos apenas os desempregados de nacionalidade estrangeira naquele país. De acordo com dados do Ministério dos Negócios Estrangeiros, os cantões com mais desemprego encontram-se, na sua maioria, na Suíça francófona, coincidindo com os cantões onde vivem um maior número de portugueses.
As dificuldades também se verificam há anos em França, onde se estima que existissem 509 mil pessoas com nacionalidade portuguesa em 2012. Muitos emigrantes estão a deparar-se com um problema: trabalham por menos dinheiro, mais horas e sem vínculo. Segundo um trabalho de investigação da AFP, publicado em 2013, os portugueses eram os trabalhadores estrangeiros subcontratados por agências de trabalho temporário que chegavam a ganhar 785 euros para trabalharem 60 horas por semana. A Direção-Geral do Trabalho francesa registava 145 mil destes trabalhadores subcontratados, enviados pelos empregadores para outros países para realizarem prestações de serviços. Mas, de acordo com a agência francesa, o número real poderia ser duas vezes superior.