Meia centena de jovens médicos de família não ocuparam vagas no SNS

Na região de Lisboa, onde mais faltam médicos de família, havia 218 lugares à disposição mas só foram ocupados 154.

Ficaram por ocupar 52 postos de trabalho no último concurso do Serviço Nacional de Saúde para os médicos que concluíram este ano a especialidade em Medicina Geral e Familiar. Em abril tinham concluído esta especialidade 291 médicos e o governo abriu o concurso em setembro, pronto para fazer um contrato de trabalho com 290 médicos. Segundo dados avançados ao i pela Administração Central do Sistema de Saúde (ACSS), apenas foram contratados 238 médicos.

O concurso para colocação dos recém-especialistas tem algumas particularidades: os jovens médicos só podem concorrer às vagas identificadas pela tutela nos centros de saúde onde há maior necessidade de fixar médicos. Ainda assim, no início no processo são colocados mais lugares à disposição do que o número de candidatos e postos de trabalho a ocupar, para os médicos poderem optar.

Neste último concurso foram disponibilizadas 317 vagas para os 290 lugares a preencher, que abrangiam assim a quase totalidade dos médicos que concluíram o internato, como tem sido regra nos últimos anos, dado que continuam a faltar médicos de família no SNS.

O balanço fornecido ao i revela que as assimetrias vão manter-se. Na região Norte, onde praticamente todos os cidadãos têm médico de família (a taxa de cobertura é de 97,8%), foram ocupadas as 36 vagas disponibilizadas pela tutela. O mesmo aconteceu relativamente às 20 vagas na região Centro, onde hoje também é residual a fatia da população sem médico.

Já na região de Lisboa e Vale do Tejo, onde tinha sido disponibilizado o maior número de vagas – 218 das 317 –, foram ocupadas 154. Atualmente, em Lisboa há 646 480 utentes sem médico de família – 17,4% do total de inscritos. Em setembro, o vice–presidente da Administração Regional de Saúde de Lisboa e Vale do Tejo, Luís Pisco, tinha estimado ao jornal “SOL” que, se todas as vagas fossem ocupadas, bastaria dois anos para resolver a falta de médicos de família em Lisboa. Este ano, a ARS desafiou mesmo os agrupamentos de centros de saúde a organizarem visitas guiadas aos jovens médicos, falando também das obras em curso em muitos centros de saúde – 50 das 79 obras projetadas pela tutela estão nesta zona do país, o que, mesmo assim, não terá sido suficiente. No ano passado, dos dois concursos para colocação de jovens médicos em Lisboa, com um total de 225 vagas, tinham ficado por ocupar 86 lugares.

Por último, dificuldades também no Alentejo, onde ainda assim falta médico a menos pessoas:_só foram ocupadas três das dez vagas disponibilizadas. No Algarve foram ocupadas 25 das 33 vagas existentes.

A ACSS informou ainda que dos 238 médicos recrutados, 85 ficaram colocados em estabelecimentos de saúde identificados em zonas carenciadas, pelo que terão direito aos incentivos revistos este ano pelo governo e que garantem aos médicos um acréscimo salarial na ordem dos 40% e mais tempo de férias.

 

“A culpa é do governo”

Para o Sindicato Independente dos Médicos, não há mais vagas ocupadas “por culpa do governo”, a quem atribui responsabilidades pelos atrasos nos concursos. No ano passado, os médicos de família estavam colocados em agosto e, este ano, o concurso só abriu em setembro, com os médicos a iniciar funções entre outubro e novembro. No caso dos especialistas hospitalares, que também concluíram a formação em abril, o concurso ainda não abriu. Na semana passada, o ministro da Saúde garantiu no parlamento que abriria em breve. Ao i, a ACSS disse não ser possível adiantar uma data concreta. “A cada dia que passa há uma pressão cada vez maior para os médicos irem para o privado ou para o estrangeiro”, diz Jorge Roque da Cunha, secretário-geral do SIM. “O Estado sabe quantos internos tem em cada ano. No dia em que acabam a especialidade, devia abrir o concurso. Tinham contrato, tinham tudo para orientar as suas vidas”, salienta o dirigente sindical, lembrando que, há dois anos, os sindicatos acordaram simplificar o processo de recrutamento dispensando entrevista, o que a tutela “não tem aproveitado”.

 Relativamente aos especialistas hospitalares, Roque da Cunha fala de 540 médicos à espera e de serviços envelhecidos onde os médicos mais novos têm mais de 50 anos. “Não sei quantos jovens o governo espera recrutar”, diz o médico, que atribui o atraso às Finanças. “Como continuam a trabalhar e recebem menos mil euros do que se estivessem contratados como especialistas, sai mais barato. Mas isso faz com que as pessoas saiam e, depois, o Estado vá recorrer a tarefeiros com um preço/hora mais elevado.” Também a ordem já mostrou preocupação com o atraso, revelando que já houve pedidos de documentação para emigrar por alguns jovens médicos.