Sobre os ‘privilegiados’ dos profes

A questão dos professores é daquelas que atinge o coração dos partidos que apoiam o Governo, os seus eleitorados e o eleitorado do PS

Havia uma boa razão para que tantos, à esquerda e à direita, duvidassem da capacidade de resistência da geringonça. Como compatibilizar o cumprimento das ortodoxas normas europeias – cuja obsessão com o défice zero torna políticas de esquerda muito difíceis de aplicar – com uma política governamental apoiada por comunistas bloquistas? A ideia do «acordo de mínimos», como a ele se referem os participantes, permitiu a quadratura do círculo: cumprir, e em alguns casos até em exagero, as metas europeias e fazer algumas políticas de devoluções de rendimentos e aumento de salário mínimo que a direita não queria fazer. Dois anos depois de ter sido ‘fundada’, a solução governamental manteve uma estabilidade considerável, contra todas as expectativas. No verão, o momento a partir do qual o Governo Costa começou a dar sinais evidentes de desorientação – que começou nos incêndios de Pedrógão Grande e continuou nos fogos de 15 de outubro – os partidos que sustentam o Governo fizeram as críticas normais, mas não claudicaram.

A questão dos professores é daquelas que atinge o coração dos partidos que sustentam o Governo, do respetivo eleitorado e também do eleitorado do PS. De resto, é um assunto de justiça elementar contra uma classe profissional que foi fustigada nos últimos anos, desde o consulado da ministra do Governo Sócrates Maria de Lurdes Rodrigues. É evidente a contradição entre o cumprimento dos compromissos europeus e a reposição de uma injustiça a que os partidos à esquerda do PS não podem ser alheios. Que o PS venha agora afirmar que os professores são uma classe privilegiada – quando toda a gente sabe que isso não é verdade – não só é uma falsidade como traz perigosamente à memória a pior experiência que existiu na Educação em Portugal, quando passou pela pasta a ministra socialista Maria de Lurdes Rodrigues. E também faz lembrar o discurso contra os supostos privilégios da Função Pública bastante propagados pela gestão Passos/Portas/troika e respetiva corte de apoiantes. Se o PS for por este caminho, vai perder boa parte do entusiasmo popular que as sondagens revelam.

A capacidade negocial da geringonça tem-nos até agora surpreendido. Oxalá que nesta questão ainda nos possa surpreender novamente.