FC Porto-Benfica. Com aquela suprema elegância que Paris exige…

Foi contra o FC Porto que Eusébio marcou o seu último golo com a camisola do Benfica. Março de 1975, no Estádio de Colombes: de livre directo, num jogo amigável que terminou com a vitória dos encarnados por 5-1.

“Paris sera toujours Paris”, cantava Maurice Chevalier.

“Paris sera toujours Paris!/La plus belle ville du monde/Malgré l´obscurité profonde…”

Vamos a Paris! Cidade encantadora e maravilhosa para Eusébio: cidade que ficará para sempre ligada à história do mais famoso clube português.

“Sempre fui feliz em Paris!”, disse-me tantas vezes Eusébio. Algumas delas precisamente em Paris.

A capital francesa está marcada a ferro em brasa na carreira de Eusébio. E até no adeus.

Foi placo da sua estreia internacional frente ao Anderlecht, num torneio internacional com final frente ao Santos de Pelé – jogo mágico que o apresentou ao mundo do Grande Futebol! Foi em Paris que recebeu duas Botas de Ouro. Foi em Paris que fez um jogo brilhante contra a França e que marcaria a sua última extraordinária exibição com a camisola da Selecção Nacional. Foi ainda em Paris que marcou o seu último golo pelo Benfica, num particular frente ao FC Porto, no dia 31 de Março de 1975.

Era aqui que queria chegar.

O último golo com a camisola da águia ao peito, frente ao FC Porto, tão a propósito deste fim de semana longo que começa com um FC Porto-Benfica.

Eusébio actuou em Paris por 11 vezes. Defrontando Anderlecht e Santos (1961); Stade de France (1963); Angers (1967); Ajax (1969, num célebre desempate para a Taça dos Campeões); Stade Rennais (1970); Sporting (1971); Bayern de Munique (1972); selecção da França (1973, pela Selecção Nacional); selecção da França (1974, pelo Benfica), e FC Porto (1975).

Houve tantas vezes Paris na vida de Eusébio.

“Toujours Paris!”

Março de 1975. Eusébio estava de saída do Benfica. Queria ir procurar lá fora, nos Estados Unidos, o dinheiro que ficara por ganhar. No Estádio Colombes, aquele mesmo do filme Fuga Para a Vitória, agendou-se um particular contra o FC Porto. Nesse tempo ainda havia entendimento, quem sabe se mesmo amizade entre os dois clubes. Tempos que parecem não voltar mais…

Eusébio ainda não o podia saber, mas marcaria nesse jogo o seu último golo com a camisola do Benfica. Seguiria depois a sua vida nos Estados Unidos do futebol nascente, regressando episodicamente a Portugal para jogar pelo Beira-Mar e pelo União de Tomar. Era um Eusébio depois de Eusébio.

Nesse mesmo ano, a 30 de Agosto, o Benfica já estivera em Paris e Eusébio com ele. Outro particular, dessa vez com a selecção principal da França. Derrota por 2-4, com Eusébio a marcar um golo. Talvez por isso continuasse a dizer: «Sempre fui feliz em Paris».

O Benfica seria campeão nessa época. Tinha uma linha avançada temível, embora Eusébio, a conta com lesões, tenha falhado demasiados jogos. Fora à final da Taça de Portugal e, na Taça das Taças, sujeitou-se a uma eliminação bisonha à conta do PSV Eindhoven, nas meias-finais.

Mas, nesse dia de Paris, frente ao FC Porto, Eusébio foi capaz de ser Eusébio. O Eusébio Pantera Negra, felino e imprevisível.

Por curiosidade, vamos ver como jogaram as equipas no Estádio Colombes cheio de emigrantes, nesse tempo exacerbado de uma liberdade portuguesa ainda tão jovem, tão cheia de sonhos.

BENFICA – José Henrique; Bastos Lopes, Malta da Silva, Humberto Coelho (depois Messias) e Barros (depois Artur); Toni, Eusébio (depois Vítor Baptista) e Simões; Moinhos, Artur Jorge (depois Móia) e Diamantino.

FC PORTO – Tibi; Nino (depois Rolando), Teixeira, Vieira Nunes e Gabriel; Marco Aurélio (depois Rodolfo), Simões (depois Seninho) e Peres; Laurindo (depois Flávio), Gomes e Cubillas.

Belas equipas! Belíssimas equipas! Esperava-se um confronto equilibrado. Não foi.

O árbitro era francês, como está bem de ver. Chamava-se Bancourt.

Aos 10 minutos já o Benfica vencia: golo de Artur Jorge.

Depois, aos 17 minutos, Eusébio tomou conta do estádio e do calor das bancadas. Como sempre o fizera ao longo de uma carreira incrível. Livre directo à entrada da área do FC Porto. Eusébio corre para a bola no seu estilo inconfundível, ameaça o pontapé feroz e certeiro. Mas à última hora decide diferentemente. Abranda o “sprint”, aplica o pé por debaixo da bola, fá-la subir sobre a barreira, sobre o guarda-redes Tibi, e cair em folha seca para lá da linha de golo, refugiando-a no conforto das redes.

Golo lindo. Golo de Eusébio!

O último pelo Benfica, embora ele não o soubesse, embora ninguém o soubesse. Talvez tivesse, nesse caso, sido comemorado de outra forma, mais íntima, mais sensível.

Só que o jogo não estava para isso. O Benfica dominava por completo o seu adversário e prometia uma goleada, tal como Eusébio prometia mais golos. Teve-os nos pés, mas não cumpriu a promessa. O seu golo seria único, irrepetível.

Até ao intervalo, o Benfica marcaria mais dois golos: por Humberto Coelho (23 minutos) e Toni (34). 4-0 em 45 minutos! Até onde poderia chegar a goleada ameaçadora, já concreta?

Tudo mudou no segundo tempo. O Benfica abrandou o ritmo, as substituições em cadeia confundiram a clareza do jogo.

Além disso, Eusébio não regressou para a última metade do confronto.

Também ainda não o sabia, mas só voltaria a jogar pelo Benfica mais uma vez, em Junho, em Marrocos, contra uma selecção de jogadores africanos.

Um jogador chegava ao fim, nasceria o mito.

O FC Porto equilibra-se e equilibra a contenda. Gomes reduz para 1-4 aos 60 minutos, mas a desvantagem é demasiado larga para que ainda possa ser dobrada. Aos 81 minutos há um «penalty» contra o FC Porto. Eusébio já não está, Humberto Coelho é chamado a marcar e faz o 5-1.

A vitória é gorda, indiscutível.

Para o Benfica, como para Maurice Chevalier, “Paris sera toujours Paris”.