Robôs ‘matam’ 800 milhões de empregos

Até 2030 um quinto da força laboral global será substituída por robôs. A longo prazo a automação vai atingir metade dos empregos. E as finanças globais ainda estão periclitantes  

A estrutura económica mundial está a mudar. A automação do emprego – os robôs vão substituir as pessoas em muitas tarefas – e uma nova crise financeira estão no horizonte. 

No final da semana passada, Niall Fergusson, economista e historiador britânico radicado nos EUA, publicou um artigo em que apontava quatro razões para o mundo estar «nervoso» e a meio deste semana um estudo da McKinsey apontava para a automação de centenas de milhões de empregos. 

Num dos pontos do artigo, Niall Fergusson citou um estudo recente do Banco Mundial que apontava que são várias as profissões que «têm uma probabilidade de pelo menos 50% serem ‘computorizados’, com a tecnologia a substituir na totalidade ou em grande parte os trabalhadores humanos». O autor dava como exemplo a condução autónoma em que «os motoristas de hoje terão de ser formados como enfermeiros».  

Também esta semana foi divulgado um estudo que aponta para  800 milhões de trabalhadores que poderão perder os seus empregos para os robôs ou para a automação até 2030, o equivalente a um quinto do da população laboral global.   

O relatório, da McKinsey,  divulgado quarta-feira, cobre mais de 46 países e 800 profissões. Tantos os países emergentes como os desenvolvidos serão afetados. De acordo com o estudo do McKinsey Global Institute, mesmo que a ascensão dos robôs seja mais lenta, perto de 400 milhões de trabalhadores poderão ficar sem emprego devido à automação e precisam de encontrar empregos nos próximos 13 anos. 

Ainda assim o estudo aponta que haverá empregos para estas pessoas se transferirem, apesar de em muitos casos estas pessoas estarem obrigadas a aprender novas competências para fazer o trabalho. 

Os novos empregos serão na área dos cuidados de saúde para as populações em envelhecimento, especialistas em tecnologia e até jardineiros. «Todos teremos de mudar e aprender a fazer coisas novas», diz um responsável do instituto, citado pela agência Bloomberg

No artigo, no qual o economista  antecipa que o mundo se aproxima de uma nova crise financeira global, o primeiro argumento é que a política monetária está perto do final. As taxas de juro diretoras já estão a subir nos  EUA, «os ativos combinados dos quatro grandes bancos centrais vão atingir o pico em 2018, mas o ritmo de expansão já começou a baixar» e, para além disso, «o aumento do crédito a nível global está a abrandar»,

Demografia 

Em segundo lugar, aponta que  «o mundo está num ponto de inflexão a nível demográfico». Daqui até 2100, a população ativa vai baixar, os mercados laborais estão sob pressão e as baixas taxas de desemprego, aliadas a medidas de expansão, levam à «expectativa de uma subida dos salários e da inflação».

Niall Fergusson considera que a «emigração não vai resolver os problemas», uma vez que aos «trabalhadores emigrantes faltam as competências» para o mundo moderno do trabalho. O envelhecimento da população representa «mais consumo, em especial de serviços de saúde», e as redes de segurança social estão impreparadas para «uma velhice muito prolongada de muitos reformados». O autor conclui assim que o «mercado de obrigações, que durante 35 anos foi seguro, está perto do fim». As obrigações serão vendidas e taxas de juro de longo prazo vão subir. «A questão é saber se a inflação acompanha ou supera a subida. Se não, a taxas de juro reais (ajustadas à inflação) vão subir, o que terá implicações sérias para as entidades muito endividadas», afirma o professor na Universidade de Stanford e também de Harvard. 

Num outro ponto, Niall Fergusson considera ainda que os devedores que estivessem a contar com uma «subida da inflação devido a uma crise no Médio Oriente como em 1973, 1979 e 1990, ficarão despontados». 

De acordo com a Agência Internacional de Energia (AIE), a América está a meio da maior expansão de produção de petróleo da história – mais 8 milhões de barris de petróleo por dia entre 2010 e 2025 com a exploração do shale. «Ainda que não haja carros elétricos, evitar-se-ia um choque petrolífero mesmo que o Irão e a Arábia Saudita entrassem em guerra amanhã», argumenta.  «Não há duas crises financeiras iguais. A próxima será diferente da anterior. Mas haverá uma próxima. E à medida que a medicação monetária vai sendo retirada, fica mais perto», conclui Niall Fergusson.

Quadro assustador

Ao SOL, João Duque comenta que Fergussson «apresenta-nos um quadro assustador, mas que assenta na observação realista de que os preços de ativos subiram» ao mesmo tempo em  «muitos mercados» e que muitas das condições que «despoletaram a crise já se recompuseram». 

O professor do ISEG considera que este é «o resultado de políticas monetárias muito expansionistas em simultâneo para as principais moedas do planeta» e chama a atenção que «a oferta de moeda na sua versão mais alargada cresceu 24,0% de 2008 para 2016, o crédito providenciado pelo setor financeiro à economia cresceu 21% de 2008 para 2016, mas o PIB só cresceu 19,2%». 

O catedrático explica que isto significa que «há massa monetária a crescer muito mais do que o crescimento do rendimento que ela serve», mas como o «crédito fornecido pelo setor bancário só cresceu 5,2%» é necessário «cuidado com os outros setores da área financeira»,

Já João César das Neves considera que as «’quatro razões para estar nervoso’ (que são reais) são, quase todas, aspetos de longo prazo, que por isso não tem de afetar a conjuntura». César das Neves considera que não é «com base nesses elementos que se pode prever um colapso mundial em 2018 semelhante ao de 2008». 

Fragilidades 

Sobre o futuro próximo, o professor universitário alinha pelas previsões das organizações internacionais e estas «indicam uma situação em 2018 semelhante à deste ano, ligeiramente menos dinâmica nas economias desenvolvidas».  Sobre as principais fragilidades da economia global, César das Neves aponta que «a situação de liquidez mundial, com o sistema inundado de dinheiro devido às políticas monetárias da última década é uma grande fragilidade». 

O economista aponta ainda que «há vários riscos importantes, devido aos choques tecnológicos (Niall Fergusson fala disto)». No entanto, lembra que as «crises sérias raramente vêm dos riscos previsíveis, mas de onde não se espera». 

César das Neves salienta ainda que para mitigar os efeitos de uma nova crise «seria preciso flexibilizar as economias, fortalecer os aparelhos produtivos e a competitividade». 

Já João Duque aponta que no futuro próximo «as taxas de juro vão começar a subir» e por isso é normal que as «taxas de crescimento das economias comecem a abrandar». Para além  disso, «estaremos a enfrentar os efeitos dos elevados excessos de liquidez e é possível que a inflação comece a subir». 

Tal como o seu colega da Católica, Duque considera que o principal risco da economia mundial é o «excesso de endividamento global e o excesso de liquidez» e defende que o desafio económico a nível global é «reduzir a liquidez suavemente e sem grandes perturbações».