Pedrógão. Vítimas e académicos unidos contra o esquecimento

Não é possível socorrer todas as pessoas em situações excecionais, mas Estado tem de garantir que a população está preparada para se defender. Esta foi uma das conclusões de um seminário dedicado às lições de Pedrógão Grande que teve lugar ontem em Coimbra

A tragédia de Pedrógão Grande não será esquecida. Pelo menos é esta a vontade da Associação de Vítimas do Incêndio de Pedrógão Grande. Nádia Piazza, presidente da associação, foi uma das participantes no seminário organizado ontem em Coimbra onde foram apresentadas as conclusões do capítulo do relatório da equipa de Xavier Viegas que o governo não publicou. “Nos já sabíamos, participámos na investigação do estudo do prof. Domingos Xavier. O que queríamos é saber mais cedo e, agora, que todo o país saiba, para que uma catástrofe como esta nunca mais volte a acontecer no país”, disse ao i. 

Foi num combate pelo não esquecimento que a equipa do Centro de Estudos sobre Incêndios Florestais decidiu apresentar, analisar e discutir o estudo pedido pelo governo no âmbito do seminário “As Lições de Pedrógão Grande”, que teve lugar na Faculdade de Ciências e Tecnologia da Universidade de Coimbra. Ao longo do dia, os palestrantes, tanto participantes no estudo como convidados, concordaram que a catástrofe não deve ser esquecida, que as suas lições devem ser estudadas e que o incêndio foi uma emergência considerada a “exceção da exceção”, mas é preciso maior coordenação e melhores sistemas de comunicação entre as várias estruturas do Estado. 

Ao longo da apresentação do estudo ficou patente a necessidade de se envolver as populações na prevenção e combate aos incêndios, uma vez que a maioria das 65 vítimas morreram ao fugir das suas casas. Para Xavier Viegas, é fundamental “dar condições de segurança às pessoas”. O perito considera não ser possível “socorrer todas as pessoas em circunstâncias catastróficas”, mas deixa um aviso. “Se não se consegue chegar a todas as pessoas, então é preciso dar a essas pessoas conhecimentos, preparação, formação e meios técnicos para poderem ultrapassar essas dificuldades”. A opinião é partilhada por Nádia Piazza: “As pessoas teriam tido um comportamento diferente” nos incêndios “se tivessem sabido como se salvar”, disse. 

O incêndio “só foi tragédia e catástrofe porque morreu muita gente”, reiterou Piazza. “Todos os anos ardem milhares de hectares de floresta, com mortes pontuais de bombeiros, e nada se fez”, acrescentou. Para a presidente, “habituámo-nos a tolerar os incêndios todos os anos” com os “verões pirómanos” que, depois, têm as consequências que todos conhecemos. Para a representante das vítimas, que perdeu o filho de cinco anos no fogo, a principal causa é o avanço do eucalipto no interior. “Os eucaliptos estão a crescer pela base nas áreas ardidas e daqui a três anos vamos voltar a ter a mesma situação, com uma vasta área de combustível à espera de arder”, alertou. 

Apesar da concordância geral, o seminário foi marcado por divergências pontuais. Uma delas foi entre a diretora regional do Centro do INEM, Regina Pimentel, e o diretor do CEIF, Domingos Xavier Viegas, tendo a primeira recusado as declarações que atribuíam responsabilidades pela falta de prestação de socorro a um bombeiro por parte do INEM que, caso tivesse ocorrido atempadamente, poderia ter sido salvo. Pimentel contrapôs que foram mobilizados “os meios necessários” e que existe uma diferença entre evacuação primária e operações de busca e salvamento, e estas últimas não se inserem nos objetivos operacionais do INEM. 

Um dos principais temas levantados pela plateia na intervenção do público foi precisamente a falta de coordenação e de resposta de emergência durante o incêndio, com queixas de telefonemas ignorados ou de apoios que nunca chegaram. “Ainda hoje estou à espera desse apoio”, lamentou uma das pessoas na plateia.