Tem dito que no caso dos emails não está em causa a falsidade ou a veracidade dos mesmos, a existência ou inexistência, mas a divulgação.
Para o Benfica está em causa a invasão do seu espaço informático, a violação da correspondência e a ofensa a pessoa coletiva. São diversos crimes praticados em cascata, que pelos vistos são também praticados contra muita outra gente. Um dos pontos nucleares que mais releva para o Benfica tem a ver com a existência ou inexistência de corrupção desportiva – juridicamente, para este efeito é absolutamente indiferente se existem ou não existem emails, se são verdadeiros ou falsos, o que importa é se houve coação por parte de algum agente do Benfica. Isso é que interessa e se isso acontecer o Benfica tem de ser punido. Há dois planos, o criminal e o desportivo, neste a corrupção também deve ser punida. Quanto à divulgação, esta também tem a ver com o contexto económico, isto é, em que medida é que um clube que vê devassada a sua privacidade, os seus contratos…
Está a falar do Porto Canal…
Sim, do Porto Canal. Todas as terças anunciavam que iam praticar um crime na semana a seguir. O Ministério Público (MP) e a Polícia Judiciária (PJ) eram alertados pelo Benfica e mantiveram-se inertes. A Procuradora-Geral da República (PGR) foi avisada.
Acha que a PGR deveria ter tomado alguma atitude, então?
Devia pelo menos ter comunicado que tinha tomado atitudes, pelo menos a nós que somos assistentes nos processos-crime. E devia acima de tudo prevenir a prática de crimes, agindo de forma a que os crimes não se consumassem. Foram oito meses.
Voltando aos emails, não é só quando se consegue benefícios que se deve ser punido, a mera tentativa também. Certo?
Sim, é menos relevante, mas é relevante. Uma ameaça também é punível. Mas tanto quanto conheço dos emails, referem-se a factos passados…
Então existiam emails.
Sim, presumo que sim. Eu não sou informático, mas é o que me dizem. Como jurista, a existência dos emails, ou se são verdadeiros ou falsos, se são truncados, é-me indiferente.
Mas do ponto de vista do cidadão comum…
O cidadão comum está neste momento a ser influenciado, a ser informado da existência de emails, da existência de coação, de corrupção, de atividade ilícita por parte do Benfica mesmo que seja falso. De tal modo tudo é propalado, declarado fora de todos os contextos e de análise rigorosa objetiva de tudo o que se passou, por parte dos comentadores e dos órgãos de comunicação social em geral, que aquilo existe é a coação para as pessoas acreditarem. Falo com muitos benfiquistas, sportinguistas e portistas – de resto tenho amigos em todo o lado – e estão na plena convicção dessas coisas. Alguns benfiquistas estão revoltados porque isso não faz parte da cultura do Benfica.
Sente que a revolta desses benfiquistas acaba por atribuir as alegadas situações irregulares à presidência de Luís Filipe Vieira?
Não, de forma alguma. Há dois tipos de revolta: a devassa da vida privada do Benfica e do outro lado põem em dúvida se é ou não uma cabala.
A verdade desportiva está em risco?
Deixe-me abrir parêntesis para dizer que há um colega seu [jornalista] que faleceu há dias, Marinho Neves. Penso que ele vai ter uma placa no Estádio do Dragão pelo que ele disse, pelo que ele escreveu e pelo que ele sofreu por ter dito a verdade, penso que o senhor Pinto da Costa vai pôr essa placa, porque ele agora defende a verdade desportiva, é justo que defenda, e está em sintonia com o Benfica. Pelos vistos, o senhor Pinto da Costa também quer a verdade desportiva, aliás, a gente conhece a sua atividade há 30 anos e sempre a defendeu, ele morre pela verdade desportiva.
Está a usar a ironia…
Nenhuma ironia, ele é que diz. É um homem sério, um homem impoluto, um homem rigoroso e como tal ele quer o mesmo que o Benfica quer: a verdade desportiva. Se ele defende a verdade desportiva e nós também, então todos defendemos o mesmo, estamos todos no mesmo barco.
Além da divulgação no Porto Canal, o Benfica considera que o F C Porto pode ter tido algum papel no acesso aos emails?
Presumo que não. Penso que o Porto não tem nada a ver com a apreensão através de meios informáticos. Segundo já li, isto é uma espécie de Daesh informático e isto não pode continuar, não podemos continuar a ser o paraíso para quem quer fazer ataques cibernéticos. Portugal é hoje um paraíso para o cibercrime.
Foi divulgado pela Sábado um ataque informático impar, em que foram roubados emails e passwords de elementos de várias instituições. Estamos preparados para estes ataques?
Nós temos belíssimos investigadores informáticos, temos pessoas muitos boas, mesmo na PJ. Aconteceu-lhes a eles [roubo de emails a elementos da PJ], como aconteceu ao Benfica. Só que o Benfica é a maior instituição nacional, não nos podemos esquecer disso. O Benfica tem representação afetiva e formal em quase todo o mundo, não se pode brincar nem tentar destruir a imagem do Benfica.
Mas como teve acesso o FCP?
Diz-se que a troco de muito dinheiro, consta, mas eu não consigo provar, portanto se quiser que eu prove não consigo. Mas consta. Disseminou-se essa notícia.
Há pouco falou nos clubes que dizem querer a verdade desportiva mas não referiu o Sporting…
Neste momento há um casamento de conveniência, que vai ser destruído a breve trecho, entre Sporting e Porto. Em que o dote é só do Sporting, que deu o dote ao Porto, que vai ser lindamente explorado no momento próprio. O Sporting também toma atitudes que… não toda a gente do Sporting, só dois ou três dirigentes. E alguns comentadores também alimentam essas coisas, mas sempre em segunda mão, o Sporting nunca tem iniciativa. O Sporting segue as pisadas do FC Porto, caninamente mas segue. O Sporting diz, entre aspas, o que o Porto manda dizer. Não toma a iniciativa, é próprio do Sporting. É próprio sempre do numero dois invejar o número 1.
Diz então que nessa relação o FC Porto é o número um e o Sporting o número dois?
Não, o Porto é o número três, em termos de adeptos, em termos de disseminação desportiva… o que estava a dizer é que nessa aliança tática o dois e o três tentam destruir o um, mas não conseguem. O Benfica é a maior marca nacional.
E as massas, os adeptos? Como estão no meio disso tudo?
A natureza sociológica do Porto tem muita semelhança com a do Benfica. É gente de raiz popular, não quer dizer que não haja gente intelectual, rica, mas sociologicamente são dois clubes muito parecidos a nível de ânimo, de adesão, às vezes de acriticismo, são pouco críticos, são muito primários, digamos assim. São clubes sociologicamente muito próximos um do outro, são clubes irmãos sociologicamente, desportivamente não são tanto… Já o Sporting tem uma origem altamente elitista, mas claro que também tem pessoas de raiz popular.
Se não houve uma atitude proativa do MP na divulgação dos emails, acredita que vai haver na investigação dos ataques informáticos?
Vai haver, mas, conhecendo eu como conheço o MP, com os ataques que nós lhe temos movido, o MP não vai deixar de acusar o Benfica. Não tenho nenhuma informação, como o Benfica tem atacado de forma agreste, ácida o MP, ele não vai ficar quieto, quase de certeza que há de inventar uma acusação contra o Benfica para justificar até a prática da comunicação social e a omissão do MP.
O MP age por vingança?
Age sem rigor e isenção, não sei se por vingança. Pode, aliás, agir sem rigor e sem isenção, mas não é sempre. Não posso generalizar e dizer o MP.
Essa é uma acusação grave…
Em alguns casos que eu conheço, o MP age fora do princípio da legalidade. Não podemos generalizar, são alguns magistrados…
Mas em sua opinião com a complacência da PGR?
Isso já não sei, não lhe posso dizer. A senhora PGR é uma pessoa que conheço há muitas décadas, com quem me dou muito bem, uma mulher inteligentíssima e digo-o sem propaganda. Uma mulher determinada que merece estar onde está. Mas o MP tem várias famílias e ela não pode dominar cada procurador.
E tem vário clubes?
Tem. Várias fações. Internas e não internas.
Quantos inquéritos existem hoje contra o Benfica sobre os emails?
Que tenha conhecimento, só um. Dos intentados e requeridos pelo Benfica existem três ou quatro – por apreensão, utilização e divulgação. E depois pelas ofensas à pessoa coletiva Benfica. Mas está em curso neste momento um processo de averiguações e um processo de inquérito no DIAP de Lisboa em função das participações do Benfica – há uma tentativa de juntar todas as participações num único processo. E corre um inquérito no DIAP de Lisboa contra o Benfica e foi nesse âmbito que foram feitas as buscas ao Benfica – a PJ tem tudo quanto é contabilidade do Benfica.
Preocupa-o as ameaças aos árbitros?
Quando um desporto se destrói por via de ameaças, de subornos, por via de notícias falsas estamos a fugir ao fair play. Todos os dirigentes são virgens nessas matérias? É evidente que a resposta é não. Todos os dirigentes têm os seus pecados, uns têm pequeníssimos pecados, outros médios pecados, outros grandes pecados.
Em Portugal as pessoas já começam a perceber que não é possível haver dirigentes sem pecados…
Em Portugal atingimos uma patologia bem mais grave do que essa, é que estamos a destruir a principal industria portuguesa ao nível internacional. Repare…
Mas quem é que está a destruir, agentes desportivos ou adeptos?
Os agentes desportivos. Os adeptos? Não. Bom, alguns adeptos são como guarda avançada de alguns dirigentes, polícia e segurança de alguns dirigentes e esses são especialmente responsáveis pelo ambiente que vivemos. Quem é que ameaça os árbitros? Não é nenhum dirigente… Mas o adepto comum, do Porto, do Benfica e do Sporting, esse não é a favor da violência.
Os clubes têm de tomar medidas contra as claques ilegais?
Há dois patamares. O primeiro é o da lei, a lei está mal feita. Sabe onde é que está prevista a regulamentação das claques? No diploma sobre violência desportiva, isto é, é o próprio legislador que diz que as claques fazem parte, integram ideologicamente a violência. É o próprio legislador que dá o mote. As claques deveriam ter outra regulamentação que dispensasse até a personalidade jurídica, que é de facto um outro disparate – no Código Civil há outras figuras mais próprias deste tipo de adeptos. As claques geneticamente não são feitas para a violência – há é uma faixa de violentos.
Tem conhecimento de que o MP está investigar ameaças a árbitros por parte de dirigentes do Sporting e do Porto?
Não sei se o Benfica tem. Eu não tenho absolutamente nenhuma.
Como vê a incitação ao ódio por parte dos comentadores dos três clubes em programas televisivos?
A minha resposta é: deixei de ver. Fico especialmente irritado com os comentadores desportivos. Acho todos especialmente sectários para poderem ser assimilados pelo meu modo de estar na vida. E se fosse comentador do Benfica eu saía perante a aliança violenta em que fazem dos comentadores do Benfica os cordeiros de Deus da Páscoa. Qualquer comentador do Benfica é massacrado, às vezes com posturas ridículas.
Mas também há posturas idênticas de comentadores do Benfica.
Não tanto, posso dizer-lhe: os comentadores do Benfica dizem as coisas certas, às vezes de forma absolutamente errada. Mas estão em situação de legítima defesa.
Ninguém está correto se a forma como fala incitar à violência…
Exatamente, por isso é que é absolutamente insuportável certo tipo de afirmações, certo tipo de imagens e de posturas, algumas delas até apalhaçadas, que são ridículas. Como é que há pessoas com aquela dignidade, porque a têm cá fora, que quando são comentadoras se comportam de forma ridícula, infantil, insuportável? Eu deixei de ver há largos meses porque ficava mal disposto e nem dormia. Hoje nem sequer zapping.
Não acha que é preciso tomar atitudes?
Quer falar do caso dos vouchers? Sabe quem distribuía os vouchers e a que horas? Era depois do jogo e era o delegado da Liga. Mesmo que o Benfica fosse prejudicado pela arbitragem, tinham direito àquela prenda. Isto em direito é uma incompatibilidade. Como é que se corrompe alguém depois da competição? Só se pode fazer antes. Mas ainda hoje os comentadores híper dotados falam, mas sem aflorar estes detalhes.
Já agora que falou num outro caso que não o dos emails, em que ponto estão investigações relativas aos vouchers e também em relação ao chamado caso ‘Porta 18’?
Esse último é estranho ao Benfica, tem a ver com um funcionário.
O Benfica não acompanha sequer o caso?
Não acompanha, nem quer saber de nada disso. É um problema estranho ao Benfica. Se um funcionário matar uma mulher, o Benfica não passa a ser homicida.
Mas como estão os inquéritos?
Do ponto de vista desportivo estão todos arquivados, está provado que não houve influência.
Nenhum processo em aberto?
Está pendente o processo de inquérito na PJ ou no MP, cujo resultado desconheço.