2017: Um incêndio que não se apagou

Quando, num país de pequena dimensão como Portugal, morrem mais de cem pessoas numa fenómeno que se repete ciclicamente, nunca poderemos fazer um balanço positivo do ano. 

E não há Festivais da Canção, Websummits, Trezes de Maio ou Centenos no Eurogrupo que contrabalancem essa tragédia vivida, este ano, em dois atos igualmente dolorosos.

Essa memória não sarou. Na nona edição da palavra mais marcante do ano, uma iniciativa da Porto Editora, há dez finalistas que refletem, ao fim ao cabo, estes acontecimentos: afeto, cativação, crescimento, desertificação, floresta, gentrificação, incêndios, independentistas, peregrino e vencedor. Serão os internautas a decidir – as votações fecham amanhã – mas há três palavras que reúnem maior consenso: afeto, incêndios e florestas. E as três remetem para as mesmas catástrofes – recorde-se que as imagens dos afetos de Marcelo foram, na sua quase totalidade, captadas nas zonas de Pedrógão e de Oliveira do Hospital tal como, no ano passado, tinham tido a Madeira como cenário.

Lá fora, feminismo foi, para o dicionário Merriam-Webster, a palavra do ano, marcado pelos escândalos de abuso sexual – e de poder – na mais poderosa indústria cinematográfica do mundo. E se, por um lado, esta é uma procissão meritória e que ainda vai no adro, por outro teve o condão de eclipsar da agenda mediática, dado o protagonismo dos protagonistas, outros assuntos prementes que tocam milhares de vidas. Exemplo: quantas vezes ouviu falar este ano da travessia dos migrantes no Mediterrâneo? 

Para virar a página com uma nota de alegria, recordo a história de pasmar de Brasilino Godinho, que em maio deste ano se doutorou na Universidade de Aveiro aos 85 anos com uma tese sobre Antero de Quental. E talvez não seja má hora para seguirmos quer a garra do estudante quer as predições do poeta: «Acorda! É tempo! O sol, já alto e pleno/ Afugentou as larvas tumulares…/Para surgir no seio desses mares/Um novo mundo espera só um aceno…». De preferência, um que tenha o SIRESP a funcionar.