Vanessa. Alguns homens também pagam IMI

Estão a ver aquele problema das propriedades vazias que também pagam IMI? Acontece a alguns homens com certas mulheres que entendem manter uma propriedade que na realidade não habitam, nunca lá foram, mas exigem o imóvel intacto.

Vanessa conhece alguns homens que pagam IMI.
– Já te falei do Alfredo?

Do Alfredo, não. Nunca me tinha falado do Alfredo. Quem raio seria o Alfredo? E teria eu mesmo necessidade de ouvir falar do Alfredo? A Vanessa está a ficar repetitiva. É capaz de ser da idade. A partir de quando deixamos de conseguir dizer coisas novas, espetaculares, surpreendentes, arrasadoras? 

– O Alfredo paga IMI. 
– Paga IMI?
– Paga. Há uma data de gajas que acham que o gajo é propriedade delas e, no entanto, ele não anda com nenhuma! Não achas isto exótico?

Era exótico. Segundo me contou depois a Vanessa, o Alfredo era um tipo bestial, como o adjetivo tanto anos 80. Uma criatura encantadora que era amigo do seu amigo e principalmente muito amigo das suas muitas amigas. Era tão amigo que as múltiplas amigas tinham ataques de ciúmes delirantes entre si. Como qualquer homem heterossexual, o Alfredo pensava, às vezes, que era capaz de ser interessante ir para a cama com alguma das suas amigas heterossexuais. Afinal, eram muitas e giras e mesmo muito giras – e disputavam-no com insistência e algum ardor amigo. 

A questão é que não se passava nada.

O Alfredo chegou à conclusão que andava a viver todas as desvantagens de um casamento, sem conseguir nenhum dos seus proveitos. Na realidade, aquilo nem era um casamento ocidental. O Alfredo tinha um harém – só que um harém casto e exigente. E aos poucos o Alfredo começou a sentir que era um imóvel, que pagava IMI apesar de não ter uso, no sentido em que ele gostaria de ter. 

A Luisinha telefonava e perguntava-lhe se queria jantar. O Alfredo já tinha combinado coisas com a Julinha, mas não podia dizer. Ou seja, ele poder podia, mas depois era sujeito àquela tortura de silêncio, trombas, amuos e mensagens a tentar o cinismo:

– Pronto, OK, tu queres é andar com a Julinha, anda à vontade.
– Eu não quero andar com a Julinha, Luisinha!
– Se não quisesses, não ias jantar com ela.
– É um jantar. 
– Comigo é que tu nunca jantas.
– Ainda jantámos no domingo!
– Domingo já foi há três dias.

Para evitar estes diálogos com cada uma das representantes do seu harém casto, o Alfredo começou a mentir desalmadamente como qualquer homem adúltero. Quando alguma delas telefonava e já tinha combinado jantar com outra, o Alfredo justificava-se sempre com o Carlos. 

O Carlos trazia alguns problemas: às vezes elas queriam também jantar com o Carlos. Com o Alfredo e o Carlos. E muitas vezes o Alfredo, para não chatear ninguém, via-se obrigado a ligar mesmo ao Carlos para jantar e convidar todas as que lhe ligaram nesse dia, arranjando uma desculpa esfarrapada para aquela que tinha sido a primeira.

A vida do Alfredo estava uma trapalhada maior do que a vida da Vanessa, dizia-me ela.

– E tu nem sabes o que aconteceu da última vez! 

Quatro das amigas do Alfredo foram jantar com ele. Tentaram todas sentar-se ao seu lado, mas só havia dois lados e duas ficaram afastadas. No dia seguinte, telefonaram-lhe a dizer que tinham decidido dar um tempo à relação.

– Mas qual relação?, perguntei eu, que julgava ter percebido que não havia nenhuma relação sentimental típica do ‘dar um tempo’.

– Pois. Foi o que ele me disse. Que não percebia nada daquilo. Podia ser que de repente alguma delas, ou várias, tivesse decidido vender o prédio. 

Alfredo, o imóvel que pagava IMI, por esta altura até nem se importava de ser trespassado.