Portugueses à mesa: saudáveis, mas pouco

O Governo está empenhado em ver os portugueses mais saudáveis. Os saleiros vão deixar de estar em cima da mesa nos restaurantes e há ainda a intenção de diminuir o tamanho dos pacotes de açúcar. E se há restaurantes em Lisboa que há muito tempo já notam um maior cuidado nos pedidos, outros há que…

Portugueses à mesa: saudáveis, mas pouco

As batatas fritas são sempre a primeira coisa a acabar durante o buffet de almoço do Café Império. Ari, à frente da cozinha de um dos mais míticos restaurantes de Lisboa, já se habituou a ver crescer uma fila de gente à espera de ver reposto o stock do tabuleiro já vazio. É aí que faz um teste. «Em vez de servir logo, às vezes até espero um pouco para ver se as pessoas desistem e optam pela secção das saladas ou dos legumes», admite. Mas este é um jogo perdido. «Não há hipótese. Não se importam de esperar, o importante é ter o prato com batatas outra vez», brinca.

Natural de Cabo Verde, terra de temperos fortes, ficou espantado quando se deparou com os excessos cometidos na cozinha que ficou a liderar. «Revolucionei tudo. Cortei no sal, cortei no açúcar. As quantidades eram absurdas», garante. Hoje, os bifes são servidos sem sal – até porque o molho já o tem – e os doces são feitos com metade do açúcar previsto na receita. 

Maximiano, que orienta os clientes na hora de escolher a mesa, rapidamente nos apresenta o menu, como forma de garantir que há outras opções para quem queira fugir ao tão aclamado bife que deu fama à casa. «Temos risoto, omeletes, bacalhau com presunto», enumera, enquanto folheia a colorida ementa. Perante o nosso ar pouco convencido destas opções mais saudáveis, dá mais uma volta à ementa e arrisca: «Ah e temos saladas».

Safo desta tarefa, Maximiano garante que são poucos os clientes a copiar este gesto de folhear o menu à procura de melhores opções. «O bife é o que sai mais e são raras as vezes em que o pedem com salada», salienta. 
A batata frita é quem mais ordena neste ponto obrigatório da Almirante Reis e há até quem recorra ao saleiro para uma dose de tempero extra, um hábito que, por sinal, tem os dias contados já que o Governo quer que o sal só chegue aos clientes a pedido.

Medidas saudáveis
 

A retirada dos saleiros das mesas é uma das várias medidas que integram a Estratégia Integrada para a Promoção da Alimentação Saudável (EIPAS), publicada no final do ano passado em Diário da República e que têm, como objetivo último, melhorar a forma como os portugueses se alimentam.

O grupo de trabalho criado para elaborar esta estratégia, além do combate ao sal, quer igualmente reduzir o consumo de açúcar. Para isso, propõe pacotes individuais mais pequenos e que se evite o sistema de free refill (poder voltar a encher o copo sem custo extra). «A evidência científica demonstra que o elevado consumo de açúcar está relacionado com a prevalência de doenças crónicas como a obesidade e a diabetes, estando por seu lado o consumo excessivo de sal associado à hipertensão arterial e à doença cerebrovascular», lê-se no diploma.

Recorde-se que no âmbito da alimentação saudável, depois de ter criado novas regras para os alimentos a disponibilizar nas máquinas automáticas de venda nas unidades de saúde e nas escolas, o Governo assinou protocolos com a indústria alimentar para reduzir o tamanho dos pacotes de açúcar, e com os industriais de panificação para reduzir o teor de sal no pão, além de ter aprovado a tributação das bebidas adicionadas de açúcar ou outros edulcorantes.

Hábitos difíceis de mudar

Estamos em Alvalade, no coração de Lisboa, mas os hábitos à mesa vêm do norte. N’ ‘Os Courenses’ as regras do Alto Minho ditam que «mesa sem pão não é mesa». Quem o diz é Marco Araújo, a apontar para as cestas já preparadas em cada mesa, ainda que falte meia hora para abrirem a porta aos almoços.

Mesmo que haja cada vez mais pessoas a pedir comida sem sal e salada sem tempero, pratos como a mão de vaca ou a dobrada continuam a ter sempre resposta.

O mesmo acontece no vizinho – tanto na morada em Lisboa como na origem [os proprietários também são de Paredes de Coura] – Tico Tico. A lista de pratos do dia é longa, mas Jorge recorre à do dia anterior para exemplificar o que acontece diariamente. «Está a ver os jaquinzinhos e os filetes? São os primeiros a ir», garante. Mesmo assim, admite que são cada vez mais os pedidos de troca de guarnição. «É cada vez mais comum que me peçam para que o prato venha só com salada», explica. «Esses são os mesmos que recusam os croquetes de entrada porque não comem fritos, mas depois pedem os jaquinzinhos para almoçar», atira Luís Cunha. «Ou que pedem baba de camelo para sobremesa, mas depois o café é com adoçante», acrescenta Jorge, num tom irónico, mas que não deixa de espelhar a realidade do dia-a-dia de um restaurante que serve de exemplo a tantos outros.

Vegetarianos com poucas opções 

Numa pesquisa rápida pelas ementas de alguns dos mais antigos restaurantes de Lisboa percebe-se que já são alguns a adaptar a ementa a um público mais diversificado e as opções vegetarianas já têm lugar junto aos pratos de cabrito ou cabidela. Se nos Courenses e no Tico-Tico, as opções se ficam pelas omeletes ou pelos «grelos com arroz», como explica Jorge, no ‘Solar dos Presuntos’, por exemplo, há peixinhos da horta com arroz de feijão ou caril de legumes e na  ‘Adega da Tia Matilde’ há pataniscas de feijão verde e legumes salteados com massa.

O problema é que, mesmo com essas adaptações, são poucos os que fogem ao menu tradicional. «No verão fazemos umas saladas de queijo-fresco ou de salmão mas ninguém pede», reclama Paulo Nascimento, que trabalha na Pastelaria ‘Rosa Doce’ desde 2004.

Pouco depois do meio dia, este espaço da Avenida João XXI tem fila para os menus de almoço. A lista do dia é sugestiva: há chocos, lombo assado, carapaus com arroz de tomate, bacalhau com natas e secretos de porco preto e Paulo garante que, em 200 refeições servidas diariamente, só três ou quatro é que são acompanhadas com salada, a pedido do cliente. «Normalmente, comem as batatas e o arroz mas a salada vem para trás», explica, «aliás, muitas vezes ainda pedem uma dose extra de batata».

Saudável em construção

Deste périplo pela cidade não resultam verdades absolutas. Há restaurantes típicos com opções vegetarianas e outros cuja solução são legumes e arroz. Há restaurantes em que a batata frita é rainha e outros, como a Nova Lisboa, onde nunca se vendeu tantos legumes como agora. «Sentimos uma grande diferença nos pedidos. Há cada vez mais gente a pedir comida sem sal, e que prefere saladas a arroz ou batatas», garante Miguel Marques.

Também nesta pastelaria que serve almoços e jantares nunca se vendeu tanto pão como agora. «Começou-se a trocar os folhados e os croissants ao pequeno almoço por sandes de queijo ou fiambre», refere. Mas nem sempre este esforço em comer melhor consegue resistir a uma lista de sobremesas como a desta pastelaria de Alvalade, que começa com uma quase irresistível tarte de limão merengada e só lá para o fim apresenta as opções de melão, uvas ou laranja.

Na ‘Rosa Doce’ já nem se dão ao trabalho de apostar em opções menos calóricas. «Veja aqui», aponta Paulo. À nossa frente estão os únicos dois queques feitos com adoçante de uma montra que engorda só de olhar. «Todos os dias fazemos dois e todos os dias os dois voltam para trás. Já ali os de amêndoa e cenoura…esses já foram». Também nas sobremesas, são poucos os que optam pela maçã assada, quando há arroz doce e leite creme na lista de opções. «E quando pomos tacinhas com morangos? Só lá vão com chantili!».