Empregos que matam

Um elemento do casal mata-se no emprego enquanto o outro fica encarregado da casa e dos filhos. Ambos exaustos e demasiado sozinhos

H ouve um tempo em que uma noite por semana chegava mais tarde a casa. Depois passou a uma madrugada, duas madrugadas, e um dia teve oportunidade de ser promovido a ausente pai de família. Passou a chegar quando os miúdos já estavam a dormir durante toda a semana e, a cereja no topo do bolo, a trabalhar também ao domingo. Uns anos mais tarde deixou de ocupar o mesmo cargo, mas o horário manteve-se.

Em muitas casas há quem trabalhe demasiado e quem trabalhe de menos. Ou seja, o trabalho não está bem dividido. Na altura da crise fecharam-se muitas empresas e as que se mantiveram despediram muitas pessoas. Os resistentes acumularam o seu trabalho com o dos colegas que saíram. A situação económica melhorou mas nada voltou ao que era.

As famílias tiveram de se adaptar e quando um elemento fica sem trabalho o outro compensa. Há um que se mata na labuta enquanto o outro fica sobrecarregado com as exigências da casa e dos filhos. Os dois demasiado sozinhos, exaustos e assoberbados com as suas tarefas, em vez de haver um equilíbrio.

Um colega da minha irmã que foi trabalhar para fora foi repreendido pelo chefe por fazer horas extra. Todos deveriam iniciar o trabalho a horas, mas ninguém podia sair depois das 17h.

Não há compensação suficiente para pais que não veem os filhos crescer, que não os ouvem entusiasmados contar o que se passou na escola, que não recebem abraços todos os dias, não lhes aconchegam a roupa da cama, não assistem às primeiras conquistas, às primeiras palavras, aos primeiros passos, não os confortam quando estão doentes, não brincam, não contam histórias, quase não estão com eles.

Se não podemos viver sem trabalho, com ele em excesso sobrevivemos. O trabalho é essencial: realiza, dá prazer, estimula, promove a vida social e algumas amizades, paga a casa, as contas, as férias, a escola e enche o frigorífico, mas quando é excessivo mata tudo. Mata a esperança das crianças verem os pais ao fim do dia, de partilharem os grandes feitos que só acontecem uma vez, mata o tempo que passa, os jantares em família que não voltam, a alegria de viverem e crescerem todos juntos.

Para a maior parte das pessoas é difícil fugir aos horários alargados, mas há ainda quem tenha a possibilidade de escolher um pouco menos de comodidade e um pouco mais de prazer de viver. A escolha não é fácil. Tenho muitos amigos nesta situação, que vivem esta dúvida diariamente. Sentem a vida a fugir, os filhos a crescer, o tempo a passar, parte das horas que trabalham serve para pagarem a alguém para brincar com os próprios filhos enquanto não chegam a casa e quando finalmente regressam estão exaustos e sem paciência. Foi mais um dia igual a tantos outros, menos um.
O tempo urge, inflama, consome-se, como a lenha numa lareira. Existe para ser vivido na sua plenitude, porque um dia ficam só as cinzas, a recordação do que se viveu e a interrogação: aproveitei tudo o que podia?