Hospitais como S. José, Capuchos ou mesmo Santa Maria poderão ser destruídos por um sismo como o que devastou Lisboa em 1755. “Do ponto de vista sísmico, grande parte dos hospitais públicos terá uma grande vulnerabilidade” – diz João Appleton, engenheiro civil especializado em reforço sísmico, responsável por obras em vários edifícios públicos, incluindo escolas intervencionadas pela Parque Escolar e o próprio Parlamento. “Estes hospitais foram construídos muito antes de haver qualquer regulamentação sísmica. Apenas no Santa Maria foi feito um estudo, em que se detectaram algumas vulnerabilidades”, explica o engenheiro.
Mário Lopes, engenheiro sísmico e professor do Instituto Superior Técnico (IST), acrescenta que, apesar de ter sido projectado numa época em que não se pensava dar resistência sísmica aos edifícios, Santa Maria apresenta “mais resistência do que se esperava”. “O que, sendo positivo, não é suficiente para nos deixar tranquilos”.
Escolas em perigo
A maioria das escolas públicas não está em melhor situação. “Apenas as que foram intervencionadas pela Parque Escolar estão seguras”, diz Appleton, que participou nos projectos de 10 estabelecimentos de ensino secundário.
Um dos casos mais dramáticos, com uma “vulnerabilidade gravíssima”, é o Liceu Camões, onde estudaram ilustres personalidades. “O Camões chegou a ter os planos de reforço sísmico aprovados, prontos a pôr em prática, mas as obras nunca avançaram”, conta o engenheiro civil, lembrando que a “vulnerabilidade também está relacionada com a quantidade de pessoas dentro dos edifícios”. Por ironia, a escola, cujas obras são urgentes, fica ao lado de um dos edifícios mais seguros do país, a recém-inaugurada sede da Polícia Judiciária.
Mas em situação idêntica estão vários ministérios, que ocupam velhos edifícios públicos. “Nunca foi feita qualquer análise para determinar a segurança dos edifícios”, refere João Appleton.
AR e pontes estão seguras
Já a Assembleia da República sofreu, em 2008, obras de reforço na parede da sala das sessões, que revelara debilidades.
Também as pontes 25 de Abril e Vasco da Gama deverão estar seguras: “Foram projectadas para resistir a vibrações”, sintetiza Mário Lopes.
Os edifícios públicos são apenas uma ponta do icebergue da vulnerabilidade de Lisboa e Vale do Tejo a um sismo, que poderá matar entre 17 mil e 27 mil pessoas, segundo o simulador do Laboratório Nacional de Engenharia Civil (LNEC).
Grande parte das habitações privadas da capital também não está preparada para resistir. O próprio LNEC alertava, há já cerca de 15 anos (ver texto ao lado), para a urgência de obras de reforço anti-sísmico das estruturas – um aviso que foi ignorado por todos os governos. O actual Executivo, aliás, aprovou em Fevereiro, o chamado 'programa low cost' da reabilitação urbana, sem incluir essa necessidade. O diploma foi entretanto promulgado, em Abril, pelo Presidente da República, apesar dos avisos dos especialistas (que o SOL então noticiou).
“A seguir ao terramoto de 1755, houve um grande cuidado. A construção pombalina é bastante resistente”, explica Mário Lopes, ressalvando que se refere à construção original, com as estruturas em gaiola de madeira, dispostas em triângulo. “Muitas vezes, os edifícios sofreram obras posteriores para incluir canalizações, por exemplo, que os debilitaram”, avisa o professor.
A verdade é que há poucas certezas no que diz respeito à segurança das habitações. “Sem uma análise detalhada, é impossível ter a certeza se uma casa está segura ou não, a não ser que se tenha acompanhado a construção”, sustenta o especialista.
Mas é possível ter alguns indicadores da resistência, ou da sua falta, pelo tipo de construção. “Quando procurei casa, excluí à partida casas anteriores aos anos 60, porque foi a partir dessa altura que o cálculo sísmico se tornou obrigatório”, conta Mário Lopes. “Não é garantia nenhuma, mas é mais natural que as casas anteriores a essa data não contemplem esse tipo de cuidados”, explica. Teve também atenção à estrutura. “Mesmo assim, se o empreiteiro tiver usado menos ferro do que devia, por exemplo, é insegura. Mas é um bom indicador de risco”.
Outro aspecto a ter em conta poderá ser, em certos casos, a altura: “Os prédios mais baixos, em particular os de betão com uma qualidade razoável, serão relativamente seguros, uma vez que a resistência que precisam de ter para aguentar o seu próprio peso também lhes confere alguma resistência a sismos”, aponta Mário Lopes.
Das gaiolas ao betão armado
A seguir à construção em gaiola, apareceram os chamados 'gaioleiros', edifícios que ainda utilizavam a madeira nas construções, mas sem o mesmo cuidado da sua disposição – ou seja, não utilizando já as cruzes que conferiam estabilidade às estruturas de gaiola. “As ligações entre elementos estruturais passam a ser menos cuidadosos”, refere Mário Lopes.
Estes edifícios, distintos pela riqueza decorativa das fachadas, acabariam, no séc. XX, por dar lugar aos chamados edifícios de transição, com a introdução do betão. Nessa altura, começou a usar-se alvenaria de tijolo e betão em pilares de canto e betão armado nas lajes das varandas. São ainda edifícios inseguros, sobretudo devido ao peso dos pisos e aos diferentes materiais utilizados. E os edifícios de alvenaria “não têm cuidados do ponto de vista sísmico”, explica o engenheiro.
Nas décadas de 40 e 50, entrou-se “no betão armado” – que, na primeira fase, era ainda de baixa resistência e sem estruturas regulares e harmoniosas. Com a regulamentação de 1958, começam a ser observadas condições de segurança sísmica nas construções.
Mas mesmo em relação aos edifícios desta época é preciso ter cuidado, avisa Mário Lopes, pois “não há fiscalização eficiente e a falta de resistência não se nota a não ser quando há sismos”. “Por isso, o cidadão fica exposto a riscos que não conhece e que poderiam ser muito inferiores”.
Artigo originalmente publicado em outubro de 2014