Roma paga a traidores?

O título é obviamente metafórico. Nem algumas pessoas de que vou falar neste texto são propriamente ‘traidores’, nem eu gosto de usar na análise política uma linguagem demasiado agressiva.  A questão é que, na última crónica que aqui escrevi, disse o seguinte: «O facto de Rui Rio estar ligado ao grupo que não foi solidário…

O título é obviamente metafórico. Nem algumas pessoas de que vou falar neste texto são propriamente ‘traidores’, nem eu gosto de usar na análise política uma linguagem demasiado agressiva. 

A questão é que, na última crónica que aqui escrevi, disse o seguinte: «O facto de Rui Rio estar ligado ao grupo que não foi solidário com o partido quando este exerceu o governo em circunstâncias dramáticas (grupo que integrava Manuela Ferreira Leite, António Capucho, Pacheco Pereira, etc.) é um pecado capital. Os partidos não perdoam a quem os abandona nos momentos mais difíceis». 

Ora, enganei-me redondamente.

O PSD premiou mesmo os que o abandonaram nos momentos mais críticos.

Mas este facto anormal mostra uma coisa: o PSD queria mudar a todo o custo.

O PSD queria mudar desesperadamente.

Queria meter a cabeça na areia, esquecer o passado e iniciar um tempo novo. 

Os sociais-democratas não quiseram  saber se Manuela Ferreira Leite, Pacheco Pereira, etc. os haviam atraiçoado ou não: só quiseram virar a página e iniciar rapidamente o caminho do futuro.

É óbvio que esta mudança radical só podia ser protagonizada por Rui Rio.

Por todas as razões.

1. Porque rompia com o passado de Passos Coelho;

2. Porque rompia com a memória governativa associada à austeridade;

3. Porque rompia com o famoso aparelho, que tem vindo a dominar o partido desde sempre (e de que Miguel Relvas, apoiante de Santana, era um dos símbolos);

4. Porque rompia com o eixo Lisboa-Cascais, eternizado por líderes como Francisco Pinto Balsemão, Marcelo Rebelo de Sousa ou Santana Lopes);

5. Porque rompia com uma lógica centralista, virando o partido para os problemas do Norte, e tirando os olhos da politiquice da capital.

Neste aspeto, o PSD pode beneficiar. Se Rui Rio for capaz de fazer uma verdadeira rutura com o passado, o partido terá a ganhar com a sua eleição.

Para começar, porque o fantasma da austeridade – que é o principal anátema do PSD junto dos portugueses – ficará para trás, esquecido.

Depois, porque o famoso ‘aparelho’ pode beneficiar de uma boa varridela, e Santana Lopes não teria condições para a fazer, tendendo a perpetuar os nomes que vinham de Passos Coelho.

A seguir, porque a secundarização do eixo Lisboa-Cascais, dominante desde quase a fundação do PSD, pode dar um novo arejamento.

Finalmente, porque a tendência para fazer uma oposição à distância, fora de Lisboa, pode revelar-se, mais eficaz.

Enquanto Santana Lopes faria uma oposição um pouco déjà vu, um dize-tu-direi-eu centrado na capital, Rio pode falar de longe, tendo por trás dele o apoio do Norte.

Um pouco como fazia Alberto João Jardim quando estava na Madeira.

Rio pode assumir-se, assim, como um general do combate contra o centralismo, a politiquice, falando dos que não têm acesso a Lisboa e ao poder.

E aí teria também cabimento uma luta a favor do setor privado, que tem no Norte uma grande concentração, mas essa será mais difícil pois Rio é um convicto social-democrata.

Entretanto, como alertei na última crónica, tudo aquilo que Rui Rio pode ter a seu favor na luta contra António Costa também corre o risco de dividir o PSD.

É bom fugir do eixo Lisboa-Cascais – mas é mau anular o eixo Lisboa-Cascais.

É bom dar uma varridela no aparelho – mas será mau destruir o aparelho.

É bom mudar de pessoas – mas certas figuras como Morais Sarmento ou Pacheco Pereira parecem-me com mais propensão para intrigar e dividir do que para unir.

Se Rui Rio conseguir tirar o melhor da rutura e deixar na sombra o pior, o PSD poderá dar um salto em frente.

Caso contrário, o partido poderá partir-se em dois.

P.S. – Pacheco Pereira foi um dos que entraram no coro contra mim, zurzindo-me por ter revelado conversas privadas no livro Eu e os Políticos. 

Ora, Pacheco Pereira veio agora revelar uma conversa privada que teve com Pedro Santana Lopes. Com uma diferença fundamental: eu fiz essas revelações no âmbito de um livro de memórias, sem quaisquer objetivos políticos, com a única preocupação de dar um contributo para a História. 

Mas Pacheco Pereira fez as suas revelações com grande estardalhaço mediático nas vésperas das eleições no PSD e com objetivos bem claros: prejudicar Pedro Santana Lopes e favorecer o seu candidato, Rui Rio. 

Pacheco revelou uma conversa privada como um punhal para enterrar em Santana. Assim se conhecem as pessoas.