Lula da Silva é o político mais popular, célebre e bem-sucedido do Brasil. Comanda todas as sondagens relativas às eleições legislativas e presidenciais deste ano. A população, segundo dizem os instrumentos mais sofisticados que existem para a interrogar, não o abandona. Por mais ninguém se mobilizam as ruas como para o antigo metalúrgico virado sindicalista e Presidente. Isso não se discute. Os críticos, aliás, queixam-se que Lula tem sempre mais uma vida que o esperado. Agora, naquele que é sem dúvida o momento mais negro da sua carreira política, esperam por o comprovar.
Lula foi condenado na quarta-feira, pela segunda vez e em recurso pelos crimes de lavagem de dinheiro, corrupção ativa e passiva pelos quais o juiz Sérgio Moro, o grande mobilizador do processo Lava-Jato, já o sentenciara em julho a nove anos e meio de prisão. O caso está ligado ao tríplex que o líder brasileiro parece ter recebido da construtora OAS como suborno pela vasta de rede de corrupção centrada na Petrobras. Esta condenação, a primeira anunciada por um coletivo de juízes, vai quase certamente desaguar numa ordem de prisão. Os três magistrados, além disso, querem mais do que foi pedido por Moro: a pena, defendem, deve aumentar para doze anos e um mês. Nada está finalizado nos tribunais (ver texto ao lado), mas não é nesse campo que Lula joga o seu destino. A multidão decidirá, e não os juízes.
A estratégia de sobrevivência e relevância da esquerda brasileira está depositada nas ruas. Foi para elas que Lula da Silva e o seu Partido dos Trabalhadores se voltaram na quarta-feira, já de noite, poucas horas depois de o tribunal ter anunciado a sua decisão. Os magistrados reuniam-se em Porto Alegre, mas na quarta-feira as principais cidades brasileiras enchiam-se de multidões que reivindicavam que o homem que lidera as sondagens deve poder candidatar-se, mesmo que a lei brasileira o contrarie, em teoria. «A decisão de hoje eu até respeito», disse Lula em São Paulo, na noite de quarta. «Não aceito é a mentira pela qual eles tomaram a decisão», prosseguiu. «Não estou preocupado se vou ser candidato a Presidente ou não. Quero que me peçam desculpas pela quantidade de mentiras que colocaram sobre mim».
Lula não tinha que se preocupar na quarta-feira sobre se seria candidato à Presidência. Na quinta-feira já o era. O Partido dos Trabalhadores já o tinha planeado, claro, para o dia seguinte à sentença, demonstrando assim que o que se decide nos tribunais não se escreve na pedra e que o processo de corrupção de Lula é político tanto como é judicial. O palco já estava montado em São Paulo e desfilaram por ele os grandes nomes do partido, incluindo Dilma Rousseff, que vem dizendo que o processo contra Lula é a radicalização do «golpe» iniciado com o seu impeachment. No começo da cerimónia, a estratégia do maior partido da esquerda brasileira já aparecia, muito nítido, nas declarações de movimentos sociais, manifestantes e congressistas. «Não aceitaremos de forma nenhuma que o nosso companheiro Lula seja preso», declarou, por exemplo, o coordenador do poderoso Movimento dos Trabalhadores Rurais sem Terra, o MST, João Pedro Stedile. E Lindbergh Farias, senador do PT, dizia quinta-feira que o que resta é «a rebelião cidadã e a desobediência civil, nos moldes de Martin Luther King».
A resistência, diz Lula, o partido e a população, será a última barreira que separará o antigo Presidente da prisão. Pode resultar tempo suficiente para que Lula consiga uma decisão favorável do Tribunal Superior Eleitoral, que nada tem a dizer sobre a sua prisão, mas muito a decidir sobre a sua candidatura em outubro. O processo do tríplex, segundo se diz pela cacofonia dos especialistas legais, tem falhas e fendas frágeis. Lula pode salvar-se por uma delas. Até lá, fará campanha. E se o seu nome não for para o boletim de voto ou para a máquina eletrónica, restará a sua figura aprisionada como símbolo. «Aceito!», disse Lula na quinta-feira, quando o partido o designou oficialmente candidato por aclamação. «Essa candidatura só tem sentido se vocês forem capazes de fazê-la, mesmo que aconteça uma coisa indesejável», prosseguiu. «Estou apenas querendo relembrar vocês: não vai ser uma tarefa fácil. Esse partido passou um monte de tempo gritando que não ia ter golpe e teve golpe».